Faleceu nesta terça-feira (29/08), aos 79 anos, o presidente do Partido Comunista do Chile (PCCh), Guillermo Teillier, líder histórico da resistência armada à ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e que comandou a legenda institucionalmente nos últimos 18 anos – desde 2005, após a morte da também histórica Gladys Marín.
Segundo o boletim médico do Hospital da Universidade do Chile, onde ele estava internado, a morte teria sido consequência dos problemas de saúde que Teillier havia acumulado devido a um caso de “covid longa”, incluindo problemas cardíacos e gastrointestinais.
Em uma nota divulgada horas após o falecimento, o PCCh lamentou o falecimento de um “jovem allendista” que apoiou com “toda sua energia a Unidade Popular” (ou UP, como era conhecido o projeto político do presidente Salvador Allende).
“[Teillier] foi um combatente e lutador antifascista, que liderou a resistência contra a ditadura. Estrategista e organizador das forças populares e de esquerda. Estadista e presidente do nosso Partido Comunista do Chile. Nos anos 80, serviu como chefe militar da resistência armada, época em que os aparatos repressivos da ditadura o chamavam de ‘o Príncipe’”, disse o comunicado do partido.
Boric foi ao velório
O presidente chileno Gabriel Boric foi uma das figuras destacadas do velório de Teillier, realizado no edifício do antigo Congresso Nacional, em Santiago. Durante a cerimônia, o mandatário formou a guarda de honra ao lado do féretro de Teillier, junto com a ministra porta-voz da República, Camilla Vallejo, que é militante do Partido Comunista.
Em declaração à imprensa local, o presidente chileno fez uma declaração que soou como uma comparação provocativa ao pinochetismo, ao dizer que o ex-presidente do Partido Comunista, “morreu como um homem digno, orgulhoso da vida que teve. Há outros que morrem de forma covarde, sem enfrentar a Justiça”.
Parte da imprensa chileno considerou que a frase fazia alusão ao ditador Augusto Pinochet, que morreu em dezembro de 2006, enquanto enfrentava processos por violações aos direitos humanos em tribunais do Chile e da Espanha.
Já a ministra Vallejo fez uma declaração através de suas redes sociais, dizendo que “sempre recordaremos o companheiro Guillermo como um construtor de unidade, que apesar de ter tido uma vida dura, a propósito da clandestinidade, do exílio e da tortura, sempre foi um exemplo de vontade e de diálogo, de construção de caminhos para o entendimento com dignidad e visando a justiça social”.
Além de Vallejo, outras figuras importantes do Partido Comunista estiveram presentes no velório, como os senadores Daniel Núñez e Claudia Pascual, as deputadas Karol Cariola, Lorena Pizarro e Daniela Serrano, o prefeito de Recoleta e ex-pré-candidato presidencial Daniel Jadue e a prefeita de Santiago, Irací Hassler.
Em declaração a Opera Mundi, a governante da capital chilena destacou a importância de Teillier para a renovação dentro do Partido Comunista. “Para que eu pudesse ser prefeita da maior cidade do Chile aos 31 anos de idade, para que tivéssemos figuras como a Camila (Vallejo) e a Karol (Cariola, deputada e líder da bancada do PC), ambas também com menos de 40, era preciso uma liderança que ajudasse as figuras mais jovens a encontrar seu espaço, especialmente as mulheres, e ele foi essa figura”, conta a prefeita santiaguina
‘Príncipe’ e líder da Frente Patriótica
Durante os Anos 80, Teillier comandou a resistência armada ao regime de Pinochet, o que consistia não só na organização do próprio aparato comunista na clandestinidade como também da Frente Patriótica Manuel Rodríguez (FPMR), uma guerrilha criada por militantes comunistas que conformaram uma força à parte.
Foi sob a liderança política de Teillier que a resistência armada do PCCh e a FPMR se aliaram para promover uma das ações mais ousadas de sua história: no dia 7 de setembro de 1986, os “frentistas”, como eram chamados no Chile, tentaram realizar um tiranicídio contra Pinochet, após emboscar seu carro em um local próximo à Cordilheira dos Andes.
O ditador escapou do ataque com ferimentos leves causados pelo acidente, mas não foi atingido pelas balas. Cinco oficiais da escolta presidencial foram mortos e outros 11 sofreram ferimentos de bala. Os membros da FPMR que participaram da emboscada conseguiram escapar naquele dia, mas alguns terminaram sendo presos meses depois.
Durante a ditadura, Teillier usou vários nomes código diferentes, embora o mais famoso foi o de Sebastián Larraín, utilizado para alugar um apartamento a duas quadras da mansão da família Pinochet, de onde registrava o cotidiano da residência, buscando informações necessárias para o planejamento do ataque.
Para entender mais do legado de Teillier, Opera Mundi entrevistou o jornalista e escritor cubano-chileno Mauricio Leandro Osorio, autor do livro Búlgaros, o Exército Treinado para Matar Pinochet, obra que conta a história dos chilenos que tiveram treinamento militar na Bulgária e que, anos depois, participaram da tentativa de tiranicídio contra o ditador chileno, na qual o líder comunista foi uma figura destacada.
Segundo Osorio, “Teillier teve um papel decisivo no que foi a política militar do Partido Comunista durante a resistência à ditadura. No caso da tentativa de tiranicídio contra Pinochet, ele era o chefe principal do aparato militar do partido, no qual a Frente Patriótica Manuel Rodríguez (FPMR) era apenas uma parte desse aparato militar, mas também havia um trabalho militar dentro do partido, e era ele quem comandava esse trabalho”.
Partido Comunista do Chile
Teillier foi um dos líderes políticos da resistência armada à ditadura de Pinochet no Chile
Os agentes do Centro Nacional de Informações (CNI, como era conhecido o principal órgão repressor da ditadura) nunca o capturou, apesar de ser uma das figuras mais procuradas durante o regime. Era chamado de “o Príncipe” pelo fato de que circulava pelos bairros da classe alta, onde viviam os altos oficiais do Exército, sem ser reconhecido ou identificado.
Presidente do PCCh
Com o retorno da democracia, Teillier passou a ser uma das lideranças do Partido Comunista, quando este voltou à legalidade, em 1991.
Assumiu a Presidência da legenda em 2005, após a morte de Gladys Marín, outra comunista histórica – ela foi presidente da Câmara dos Deputados durante o governo de Salvador Allende e presidiu o PCCh em seus primeiros 12 anos após a ditadura – e a exerceu nos últimos 18 anos.
Durante seu mandato, os comunistas voltaram a ter representação no Congresso chileno: em 2009, o partido elegeu três deputados para a Câmara Baixa, incluindo o próprio Teillier, além de Lautaro Carmona e Hugo Gutiérrez.
Também foi ele que, em 2013, consolidou a reconciliação dos comunistas com o Partido Socialista – relação abalada desde o fim do governo de Allende, quando os dois conglomerados eram parte da coalizão Unidade Popular –, o que permitiu o surgimento da Nova Maioria, aliança partidária que substituiu a Concertação, que havia sido referente da centro-esquerda chilena desde o fim da ditadura.
Foi com a Nova Maioria que a nova geração de comunistas chegou a alcançar cargos institucionais, incluindo figuras como a ex-deputada e atual ministra porta-voz da Presidência Camila Vallejo, a deputada Karol Cariola, o senador Daniel Núñez, a prefeita de Santiago Irací Hassler e o prefeito de Recoleta e ex-pré-candidato presidencial Daniel Jadue.
Nas últimas eleições, ele selou a aliança com a Frente Ampla, criando a coalizão Aprovo Dignidade, que elegeu o presidente Gabriel Boric em 2021. Naquele mesmo ano, Teillier se candidatou ao Senado pela região de Santiago, mas acabou sendo derrotado.
Figuras internacionais
O falecimento de Guillermo Teillier também repercutiu internacionalmente. O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, foi uma das figuras que prestou sua homenagem ao líder histórico dos comunistas chilenos.
“A morte de Teillier dói em Cuba como a de um compatriota, porque ele foi um dos nossos, no sentido dos ideais que nós compartilhamos. Foi um compatriota da Nossa América, como Allende e como Fidel”.
O historiador Valter Pomar, diretor do Núcleo de Cooperação Internacional da Fundação Perseu Abramo, difundiu uma nota dizendo que Teillier “deixou um importante legado de luta pelo socialismo, pela democracia e pelo bem-estar do povo chileno e do mundo”.
Quem também se manifestou sobre a morte de Teillier foi o ex-vice-premiê espanhol Pablo Iglesias, outrora líder do extinto partido Podemos (cujos ex-integrantes formam parte, hoje, do Movimento Somar, liderado pela atual vice-premiê espanhola, Yolanda Díaz).
Em sua declaração, Iglesias disse que “morreu Guillermo Teillier, presidente do Partido Comunista do Chile, allendista, veterano da Unidade Popular e combatente contra a ditadura de Pinochet. Porque eles foram, nós somos. Porque nós somos, outros serão”.