Morreu neste domingo (25/07), aos 84 anos, o coronel Otelo Saraiva de Carvalho, comandante da Revolução dos Cravos, que derrotou a ditadura salazarista que oprimiu os portugueses por 48 longos anos.
Moçambicano de Lourenço Marques, atual Maputo, Otelo foi o estrategista da ação que mudaria para sempre a história de Portugal.
Quando criança, sonhava ser ator, mas foi impedido pelo pai. Migrou para a carreira militar por sugestão do avô. Mal sabia ele que seria personagem central no palco de uma história assistida pelo mundo.
A partir do posto de comando do Regimento de Engenharia N° 1 da Pontinha, vizinho a Lisboa, deu as orientações decisivas ao capitão Salgueiro Maia, que chefiava as tropas que encurralaram o regime no Quartel do Carmo, no centro da capital portuguesa.
Otelo chegou a ser considerado o Che Guevara português. Foi a Cuba a convite de Fidel Castro e recebido com honras de chefe de Estado, em julho de 1975, para participar das comemorações da tomada do Quartel de Moncada.
“O movimento do 26 de julho foi um movimento de libertação para Cuba, como para Portugal é o Movimento das Forças Armadas. Assim como o movimento do 26 de julho foi a vanguarda do povo trabalhador cubano, também o Movimento das Forças Armadas portuguesas está ao lado das classes mais desfavorecidas de Portugal na sua justa luta”, afirmou a milhares de cubanos durante discurso feito em Santa Clara, local onde os revolucionários cubanos impuseram a derrota final ao ditador Fulgencio Batista.
Comandante militar de Lisboa, alçou o Comando Operacional do Continente (Copcon) durante o Processo Revolucionário em Curso (Prec), mas começou a cair em desgraça quando optou por se aliar a posições esquerdistas para acelerar o aprofundamento da Revolução.
A tática frustrada acabou tendo efeito contrário, culminando na derrubada do coronel Vasco Gonçalves, homem próximo ao Partido Comunista Português (PCP), da chefia do Governo Provisório.
A destituição de Gonçalves, em setembro de 1975, abriu as portas para o fortalecimento de setores da direita do Movimento das Forças Armadas (MFA).
Otelo viria, inclusive, a ser vítima do refluxo da esquerda na condução do processo revolucionário.
Após o episódio do 25 de Novembro de 1975, em que se atribuiu a ele o incentivo a ação de paraquedistas da Base de Tancos na tomada de várias áreas militares, perderá o comando do Copcon e será preso na sequência, por determinação do grupo à direita do MFA, que viu na iniciativa a possibilidade da radicalização da Revolução.
Reprodução/Flickr
Moçambicano de Lourenço Marques, atual Maputo, Otelo foi o estrategista da ação que mudaria para sempre a história de Portugal
Ao deixar a prisão, ainda concorreria nas eleições presidenciais do ano seguinte, como candidato independente apoiado por partidos de esquerda, alguns dos quais viriam a compor o Bloco de Esquerda décadas depois.
Obteve pouco mais de 16% dos votos, mas o suficiente para conquistar a segunda colocação, numa eleição vencida pelo general António Ramalho Eanes, integrante da ala dita moderada do MFA.
Otelo ainda disputaria mais uma eleição à Presidência da República, em 1980, desta vez pelo partido Força de Unidade Popular (FUP), que ele fundou a partir da união de diversos pequenos partidos de esquerda e extrema esquerda. Mas nesta disputa, o comandante da Revolução dos Cravos teve menos de 2% dos votos.
O partido dele era acusado de ligação com as Forças Populares 25 de Abril, popularmente conhecidas como FP25, responsabilizadas por uma série de atentados ocorridos na década de 1980. A imputação de envolvimento da FUP nas ações da FP25, sempre negadas por Otelo, o levaria à prisão novamente, desta vez por cinco anos.
Questionado se tinha alguma amargura por ter sido preso depois de ter libertado Portugal de uma ditadura de quase meio século, respondeu que não.
A única coisa que dizia afligi-lo era a morte da filha de sete anos quando participava da guerra colonial na Guiné. Ele se culpava por ter levado a família para o país africano onde a criança contraiu uma doença mortal.
Bígamo assumido, viveu até o fim da vida dividido entre o amor de duas mulheres que ele jurava amar com a mesma intensidade.
Neste 25 de julho, Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho inscreveu definitivamente seu nome no panteão da história de Portugal como o rosto da luta por liberdade.
*Lúcia Rodrigues é jornalista e formada em Ciências Sociais pela USP