Talvez seja reflexo do período das Grandes Navegações, e consequentemente dos séculos de colonização, mas o fato é que a produção portuguesa em música popular não chega aos portos brasileiros. O finado Madredeus, intérprete de vários temas da minissérie global Os Maias (2001); Buraka Som Sistema, com passagens pelo Brasil e parcerias com a funkeira Deize Tigrona, a banda Bonde do Rolê e o Mixhell, projeto eletrônico do ex-Sepultura Iggor Cavalera; e Xutos & Pontapés, roqueiros que dividiram o palco Sunset com os Titãs na edição mais recente do Rock in Rio, são três dos raros exemplos de artistas portugueses com certa visibilidade por aqui – Roberto Leal seria o quarto? Pode ser.
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A capa de Pesadelos em Peluche, do Mão Morta
Um dos tesouros escondidos, absolutamente ignorado pela audiência nacional é, sem dúvida, o grupo Mão Morta. Formado em 1984, em Braga, o então trio surgiu de um encontro de Joaquim Pinto com o baixista da banda norte-americana Swans, Harry Crosby, em Berlim, na Alemanha. “Você toca baixo?”, perguntou Crosby a Joaquim. Diante da negativa, o músico comentou: “engraçado, você tem cara de baixista”. Ele também achou. Tanto que comprou um contrabaixo. Meses depois, escolado no punk e no pós-punk, fundou, ao lado de Miguel Pedro e Adolfo Luxúria Canibal, o Mão Morta.
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Da esquerda para a direita: Vasco Vaz, António Rafael e Joana Longobardi
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O vocalista Adolfo Luxúria Canibal (esq.), ao lado de Sapo e Miguel Pedro
A trajetória da banda tem em seus passos o acréscimo e a subtração de integrantes (Joaquim Pinto ficou até 1990, hoje o Mão Morta é um sexteto); palcos divididos com figuras como The Gun Club, Wire, Young Gods, Jesus & Mary Chain, Rollins Band, The Fall e Nick Cave and the Bad Seeds; discos relevantes, embates com a direita ultra-conservadora local, intenso diálogos com a literatura e uma atenção especial à performance cênica do ótimo letrista e vocalista Adolfo Luxúria Canibal.
O disco de estúdio mais recente, Pesadelo Em Peluche (2010), teve como ponto de partida o livro The Atrocity Exhibition (A Feira de Atrocidades), de J. G. Ballard. O registro, nas palavras de Adolfo, tem riffs e batidas que enquadram narrativas psicóticas onde a pulsão sexual é alimentada por estranhos fetiches e a morte não passa de uma ficção conceitual carregada de encantos obscenos. É como se, perdido o equilíbrio genésico, a vida se transmutasse num perturbante pesadelo de desconcerto numa mente entorpecida pelo peluche do conforto.
Entre os meses de outubro e novembro de 2011, o grupo de Canibal (voz), Miguel Pedro (bateria, programações e sintetizadores), António Rafael (teclados, guitarra e sintetizadores), Sapo (guitarra), Vasco Vaz (guitarra e sintetizadores) e Joana Longobardi (baixo) levou a turnê Pelux in Motion a locais como Lisboa, Coimbra, Castelo Branco, Faro, Portalegre, Famalicão, Viana do Castelo e Ílhavo. Ao Brasil, nada de aparições ainda. Mas é como sugere Chico Buarque, a citar o velho Pessoa, em “Tanto mar”, “sei que há léguas a nos separar/ tanto mar, tanto mar/ sei também quanto é preciso, pá/ navegar, navegar”.
Naveguemos rumo ao Mão Morta, pois.
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