O governo Lula vive seu momento mais delicado. Com os índices de aprovação estagnados e cada vez mais pressionado pelo centrão, caminha, de recuo em recuo, em direção ao limite suportável da crise de popularidade. As boas ações feitas pelo presidente, que encontrou o país destroçado e reorganizou políticas públicas importantes, além de ter dado um pouco mais de fôlego ao investimento público (especialmente em 2023, com a PEC da transição), parecem não ser suficientes para garantir nível confortável de satisfação por parte da população.
Isso se explica pelo fato dos avanços na economia ocorrerem de forma mais lenta que a velocidade frenética do cenário político atual. O impacto das fake news, a oposição da mídia, erros na comunicação do governo, a ação de líderes religiosos de massa e outros elementos fazem parte do problema, mas não são centrais. O central é a incapacidade de entregar ou apontar mudanças materiais significativas, seguidas de expressiva carga simbólica, para as camadas populares mantidas precarizadas, desencantadas e desmobilizadas.
A vagareza na melhora da economia é, em grande parte, fruto das escolhas feitas pelo próprio governo na área, com uma agenda fiscalista limitadora do crescimento. Para a população, parece que o governo Lula tem significado o que de fato vem sendo: melhor que Bolsonaro, mas ainda aquém do prometido e do que pode efetivamente entregar.
Mas por que o governo escolheu esse caminho de recuperação lenta da economia? A resposta está na estratégia política adotada. Num cenário de extrema polarização, Lula optou por deslocar-se ao centro para isolar a extrema-direita, aderindo à agenda econômica liberal da centro-direita com algumas pinceladas de petismo em áreas como habitação e assistência social.
Esse deslocamento é justificado como resultado de uma análise segundo a qual não havia força suficiente para uma guinada à esquerda, frente a uma eleição disputadíssima decidida em favor de Lula pelos eleitores moderados. Além disso, desde Temer e de maneira institucionalizada com Bolsonaro, o parlamento agigantou-se frente à presidência, e naquele espaço o governo é amplamente minoritário. A moderação do programa daria governabilidade no Congresso e acalmaria forças sociais da direita supostamente também interessadas no isolamento do bolsonarismo.
Ocorre que essa decisão gera grande impacto na economia, que tende a crescer pouco, no melhor dos cenários. Isso no contexto de um povo empobrecido e absolutamente descontente. Para o lulismo esse é um grave problema, pois uma de suas principais características é justamente o fato de sua força política advir quase exclusivamente do sucesso da economia, dado que não faz parte de seu repertório a mobilização popular e a politização em massa do processo de disputa em torno dos rumos que o país deve tomar.
Lula conseguiu ser um grande negociador entre as classes e formar um amplo campo político que lhe garantia sustentação parlamentar porque promovia mudanças sociais robustas a partir da aceleração da economia, no início desse século. Mas, o que lhe garante governabilidade se a economia vai mal? Além disso, agora há uma oposição radicalizada que mobiliza parte expressiva da sociedade em torno de um projeto, por tosco que seja: o bolsonarismo. Pior ainda, o terceiro campo, o (neo)liberal, segue falando com o povo pela mídia de massas e por uma maioria parlamentar classista e chantagista.
Como se percebe, o lulismo enfrenta um cenário novo: economia modesta, a presença inédita de uma oposição mobilizada nas ruas e a faca no pescoço de um Congresso agora mais forte que o presidente. Frente ao novo cenário, no entanto, o lulismo segue aplicando a mesma estratégia de seus tempos áureos, na esperança de avançar tão logo venha a retomada do crescimento, como na virada de Lula I para Lula II. Algumas pessoas ainda não se acostumaram com o fato de, não obstante a imensidão de Lula na história, sua imagem por si mesma não segurar mais o governo enquanto essa virada milagrosa não acontece.
Se a estratégia de Lula III é isolar o bolsonarismo para caminhar solto como velho leão na pradaria, como quando a presa de sempre era o frágil PSDB dos liberais, pode haver um contra-ataque que busque isolá-lo na política enquanto a economia não decola e sua popularidade estagna, o que nesse momento parece estar sendo ensaiado entre parte da direita e da extrema-direita.
É preciso rapidamente mudar o modus operandi do lulismo, pois essa estratégia claramente não é mais suficiente. O campo lulista não pode mais se dar ao luxo de manter-se desmobilizado, limitando-se a agir dentro dos muros do Congresso e das instituições, buscando consensos com as elites. O lulismo, que de fato sempre incluiu o pobre no orçamento, precisa aprender a incluir o povo na política. Precisa fazer da força popular mobilizada um de seus ativos. Porém não conseguirá isso sem mudar, ainda que gradualmente, os rumos da política econômica.
O desafio posto é mudar a correlação de forças, o que exige exatamente um movimento nessas duas dimensões, na política e na economia. É preciso mover-se e encontrar uma posição mais favorável, pois a tática de unir-se aos liberais para isolar o bolsonarismo numa frente amplíssima tem se mostrado insuficiente. Na dança entre esses três campos, somente o lulismo não joga com todas as suas armas a pleno vapor, e ele tem uma poderosíssima: um presidente que fala diretamente com o povo, com dimensão histórica e condições de liderar um projeto que dinamize, mobilize e mova parte expressiva da população em sua direção.
O campo lulista ocupa hoje a instituição mais fortemente ligada à vontade popular: a presidência da República, que precisa ter sua força recuperada. Isso permite atuação direta na economia e na mobilização, como faz por exemplo Gustavo Petro na Colômbia, que, mesmo liderando também um governo loteado entre diferentes campos ideológicos, consegue estabelecer em alguns ministérios centros de força avançados em relação ao seu programa, para não desmobilizar sua base.
Espaços como a Petrobras e seu potencial imenso de investimento nas cadeias produtivas e de tecnologia, seu simbolismo e importância para o povo brasileiro, podem iniciar um giro e formar com outras partes do governo algum centro de força com linhas bem demarcadas. É preciso criar as condições para mudar a lógica de atuação política do lulismo, o que libertaria o próprio Lula de uma estratégia que não dialoga mais com o novo desafio histórico que se lhe apresenta. Libertaria também a esquerda e o próprio povo brasileiro do imobilismo e do desencantamento.
O lulismo está sendo desafiado a atualizar-se. Se não der conta desse desafio, chegará em 2026 enfraquecido e viveremos o risco trágico de uma derrota para a direita que poderá demorar décadas para ser revertida.
Ainda há tempo.
(*) Pedro Alcântara é Doutor em ciências sociais e membro do diretório do PT-PE