As Federações Partidárias foram criadas na reforma eleitoral de 2021 por meio da Lei Federal n.º 14.208, de 28 de setembro. Reunião de dois ou mais partidos políticos, com registro no Tribunal Superior Eleitoral e estatuto próprio, seu papel é atuar como se fosse uma única agremiação partidária, com identidade única e certa estabilidade na sua duração, por no mínimo quatro anos, coincidente com o transcurso do mandato legislativo no âmbito federal. O namoro dos partidos pactuado por meio de um estatuto funciona como um pacto antenupcial, com duração do casamento de, no mínimo, quatro anos. Se houver divórcio antes dos quatro anos, há sanções, como a impossibilidade de uso do fundo partidário pelo prazo mínimo remanescente.
No Brasil há três federações registradas no Tribunal Superior Eleitoral: Federação Brasil da Esperança (PT, PC do B e PV), Federação PSDB-Cidadania e Federação PSOL-Rede.
As Federações Partidárias são o teste de uma futura fusão entre os partidos, que no primeiro momento beneficiaram as agremiações pequenas e as suas dificuldades de atingir a cláusula de barreira, baseada no seu desempenho eleitoral mínimo como justificativa para sua permanência no âmbito político-eleitoral. Ao mesmo tempo, são uma inovação que os fortalece e busca otimizar processos internos de definições e atuação conjunta.
Todavia, se houve dificuldade em haver consenso dentro das Federações Partidárias em 2022, dados os interesses diferentes, como será que elas funcionarão no universo plural e muito mais diversificado das eleições dos 5.570 municípios neste ano?
Imagine uma cidade em que a Federação Brasil da Esperança tem dois candidatos ao cargo de prefeito de dois partidos que a compõem com chance de sucesso. Qual dos dois deve prevalecer na indicação da chapa? Ou dentre os três partidos, dois querem apoiar um candidato de partido exógeno à Federação, enquanto um deles quer lançar candidato a prefeito próprio?
A resposta está no estatuto de cada uma delas e nos processos formalizados para decidir sobre os conflitos.
Recentemente, a Federação Brasil da Esperança aprovou alteração em seu estatuto social, em que reserva à Comissão Executiva Nacional a competência de intervir e alterar a composição das Comissões Provisórias Estaduais e Municipais, regular seu funcionamento e dispor sobre seus poderes, competências e atribuições, podendo restringi-los. Isso significa que, em última instância, num conflito municipal entre os partidos federados, quem decide de forma definitiva é a Comissão Executiva Nacional.
Já a Federação PSDB-Cidadania estabeleceu previamente as normas para escolha de candidaturas majoritárias municipais, fixando como regra a realização de prévias entre os partidos, com escuta qualificada da opinião dos deputados federais e estaduais com mais de 10% dos votos válidos no município nas eleições de 2022. Mas se o partido político federado possuir como filiado o Prefeito em exercício, este tem preferência para indicar seu sucessor. Já se o município tiver menos de 200 mil eleitores, a autonomia é relativa, na medida em que depende da aprovação do Colegiado Estadual da Federação. Se houver mais de 200 mil eleitores, a escolha do candidato ao cargo majoritário fica submetida à aprovação do Colegiado Nacional da Federação.
E, por último, a Federação PSOL-Rede fez constar no seu estatuto que a composição da chapa majoritária municipal será definida pela direção municipal eleita, em consonância com as regras aprovadas na Assembleia Geral e Direções Estaduais.
Como se pode perceber, a autonomia das direções municipais das Federações Partidárias está mitigada pela decisão das instâncias superiores. São elas que, em última instância, decidem os impasses da dificuldade de consenso municipal das direções partidárias locais. O que isso significa?
Significa que quanto mais as direções municipais esforçarem-se para construir o consenso, tanto menos terão sua autonomia de decisão revertida, desde que estejam em alinhamento com a decisão nacional. Em última instância, as discussões acerca dos candidatos nas eleições municipais deste ano são a preparação dos consensos para as eleições presidenciais de 2026. As disputas no território real de vida dos eleitores, os municípios, estão desprestigiadas em face do interesse maior de adiantar as discussões acerca das candidaturas estaduais e federais de 2026.
Nesse sentido, as decisões nas eleições municipais deste ano, tomadas pelas instâncias das Federações Partidárias, são uma forma de construir o alinhamento político-eleitoral com vistas às eleições de 2026. Melhor dizendo: um olho no gato e outro no peixe.
(*) Renata Martins Domingos é advogada, Mestre em Direitos Humanos e já trabalhou em várias campanhas eleitorais assessorando juridicamente candidaturas. Também já foi gestora pública e exerceu o cargo de Secretária de Saúde da Prefeitura do município de Conde, Paraíba.