Um dos maiores acontecimentos de 2023 se deu no dia 7 de outubro, quando o Hamas, um dos grupos da resistência palestina, realizou uma operação que deixou mais de 1400 israelenses mortos e fez mais de 200 reféns. Países do mundo todo se posicionaram e as Nações Unidas ligaram o alerta vermelho. Passados seis meses, Israel tem respondido de forma brutal, por meio de uma punição coletiva que já matou mais de 30 mil palestinos, em sua maioria mulheres e crianças, e arrasou a infraestrutura de Gaza. No entanto, o esforço israelense ainda não conseguiu exterminar o Hamas e nem libertar todos os reféns.
Por óbvio, o caso chegou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas que, apesar de ter belos exemplos de inação e incapacidade de solucionar os grandes dramas da segurança internacional – além de ser um ambiente de discussão bastante restrito –, permite que recados diplomáticos de apoio, censura e condenação sejam emitidos pelos países mais poderosos do mundo. Neste espaço, a Rússia tem enviado uma série de ‘nãos’ a Israel e denunciado a participação dos Estados Unidos no massacre do povo palestino.
A primeira proposta russa sobre o atual cenário foi apresentada em 15 de outubro e pediu um cessar-fogo imediato, condenou os atos de violência contra civis de ambos os lados e não mencionou o Hamas. Entre os membros permanentes, somente a China votou favoravelmente. Em uma segunda proposta, apresentada em 25 de outubro, a Rússia voltou a falar em um cessar-fogo imediato e a condenar todos os atos de violência contra civis. Dessa vez, citou o Hamas, mas foi ainda mais dura com Israel ao condenar os ataques ao Hospital Al-Ahli e à Igreja Ortodoxa de San Porfírio. Além disso, chamou a atenção para as violações do direito humanitário pelas forças israelenses e pediu a revogação imediata da ordem de evacuação do norte para o sul de Gaza.
À medida que a situação em Gaza se tornava cada dia mais dramática, a Rússia subiu ainda mais o tom de condenação às práticas de Israel e o papel dos Estados Unidos no massacre do povo palestino. Quando a Organização Mundial da Saúde apontou para a necessidade urgente de um cessar-fogo, tendo em vista a situação desesperadora da saúde em Gaza, a Rússia lembrou que havia destinado 25 toneladas de alimentos e medicamentos através do Egito, mas que Israel estava obstruindo a passagem e impedindo que ajuda humanitária chegasse até Gaza.
Na reunião de 29 de dezembro de 2023, o embaixador Vassily Nebenzia mencionou a morte de crianças em Gaza e na Cisjordânia, bem como de funcionários das Nações Unidas e de jornalistas, pelas forças israelenses. Nebenzia afirmou que antes de 7 de outubro Israel já realizava numerosas operações militares no território palestino que não tinham qualquer relação com ameaças terroristas e não passavam de um pretexto para o objetivo de promover uma limpeza étnica.
Além disso, denunciou a política criminosa e contínua de confisco de propriedades palestinas, a expansão de assentamentos por Israel e lembrou da resolução 2334 de 2016, aprovada pelo Conselho de Segurança, mas que Israel não cumpriu. Em termos claros e de forma objetiva, traço comum da retórica diplomática da Rússia, apontou que as ações de Israel estavam desestabilizando a região e colocando em perigo a segurança da Síria e do Líbano. Ainda nessa ocasião, o representante russo atribuiu aos Estados Unidos a responsabilidade pela inação do Conselho ao lidar com a crise na Palestina e afirmou que os norte-americanos estavam evitando de todas as formas adotar uma linguagem que tratasse um cessar-fogo permanente e imediato. Apesar de condenar o Hamas e qualificar os atos da resistência palestina como terrorismo, o representante russo afirmou que nada podia justificar o castigo coletivo imposto aos palestinos e que a matança indiscriminada de mulheres e crianças não contribuiu para libertar os reféns israelenses em poder do Hamas.
Quando o Conselho de Segurança se reuniu para discutir ataques dos houthis às embarcações no Mar Vermelho, a Rússia mais uma vez desagradou Israel, ao relacionar os acontecimentos à violência empregada em Gaza. E ainda que a Rússia estivesse fazendo apelos para que cessassem as ações que ameaçavam navios comerciais, repetia que a raiz do problema, o massacre promovido por Israel, precisava ser tratada. Em março deste ano, a Rússia vetou a resolução proposta pelos Estados Unidos, acusando os norte-americanos de, através de um texto ambíguo e sem exigência de um cessar-fogo imediato, estarem dando sinal verde para Israel deflagrar uma operação militar em Rafah, onde estão refugiados mais de 1 milhão de palestinos.
A Rússia ainda usou o espaço para denunciar, por mais de uma vez, o deslocamento forçado e a destruição da infraestrutura civil de Gaza. Em um desses momentos, o representante russo apontou que 2023 foi o ano mais sangrento para a Cisjordânia, onde o Hamas não atua.
Em 2 de abril, a Rússia convocou uma reunião de urgência do Conselho de Segurança e acusou Israel não somente de violar a Convenção de Viena ao atacar a embaixada do Irã em Damasco, mas também de bombardear constantemente outras partes da Síria, como o aeroporto de Allepo. Na reunião de 14 de abril, convocada para discutir o contra-ataque do Irã, Nebenzia apontou que este se deu diante de uma “inação vergonhosa” do Conselho de Segurança ao tratar violações do Estado de Israel.
Nesses seis meses de massacre levado a cabo pelo governo de Benjamin Netanyahu não se pode dizer que a retórica russa no Conselho tenha recuado em favor do regime sionista; o tom de condenação ao Estado de Israel e aos seus múltiplos crimes e violações é constante e evidente.
E apesar da manutenção das relações diplomáticas e comerciais entre os dois países, é inegável que a Rússia vem utilizando o espaço do Conselho de Segurança para se posicionar ativa e objetivamente contra o massacre do povo palestino promovido pelo regime criminoso de Tel Aviv.
(*) Rose Martins é analista internacional e pesquisadora, formada em Relações internacionais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e mestra em Economia Política Internacional