Bob Dylan gravou uma de suas mais pungentes canções em 1976, durante o longo processo de separação de Sara Lownds, com quem estava casado desde 1965. O nome do dardo em forma de música era “Sara”, e seus versos agudamente sonoros referiam-se à quase ex-esposa em termos como “sweet virgin angel, sweet love of my life”, “radiant jewel, mystical wife”, “beautiful lady, so dear to my heart”, “scorpio sphynx in a calico dress”, “glamorous nymph with and arrow and bow”. A vida familiar era evocada com paixão, nostalgia e saudade de quando “the children were babies and played on the beach”.
Jakob, uma daquelas crianças de Bob e Sara que brincavam naquelas areias felizes, tem hoje 40 anos, parece-se enormemente com o pai e é, assim como ele, músico popular. Foi líder de uma banda de country rock chamada Wallflowers, com a qual lançou cinco álbuns entre 1992 e 2005, e iniciou uma carreira solo dois anos atrás. Neste 2010, apresentou seu segundo disco individual, Women + Country, em pique tristonho de soft rock, folk, country e cabaré que, sim, faz lembrar seu pai, mas não raro se assemelha tanto ou mais a outros ícones antigos daqueles gêneros, como Bruce Springsteen, Tom Waits, Tom Petty, Johnny Cash, Joan Baez, Joni Mitchell ou Nick Drake.
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A melancolia é o traço mais proeminente de Women + Country, uma coleção de temas fortemente inclinados ao baixo astral, que encontram suporte sob medida em estilos tradicionais como o country & western de “They’ve Trapped Us Boys”, a balada havaiana deprê de “Smile When You Call Me That” ou o cabaré brechtiano de “Lend a Hand”. Essa última é o mais perto que Jakob chega dos humores ciganos-circenses que faziam de Desire (o disco de seu pai que se iniciava por Hurricane e terminava com Sara) uma obra-prima.
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Evidentemente as letras e melodias de Women + Country dizem respeito a circunstâncias do presente e da vida de seu autor, não ao passado ou aos encontros e desencontros de seus pais. Mas não há jeito de separar, Jakob carrega desde sempre e para sempre o estigma de ser filho de um dos mais agudos e complexos poetas pop do século passado, e é difícil descolar os ouvidos desse legado quando, por exemplo, ele canta que “we’ve got to learn to live with these ghosts” (na dolorosa “Everybody’s Hurting”). Ou quando evoca a “house where you were born in the cotton fields“ e conclui, sangrando, que “nós não moramos mais aqui”, na faixa mais pungente, “We Don’t Live Here Anymore”.
Era Bob quem lamentava, em “Sara”, que aquela praia onde as crianças brincavam com conchas e baldes virara agora um deserto quase completo, a não ser por algumas algas e um pedaço de madeira de navio que ia e vinha à beira d’água. Em certas passagens, o tristíssimo Women + Country de Jakob parece remeter àquela praia, àquelas algas, àquela tábua de navio.
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