Esta semana ocorreu mais uma vergonhosa demonstração de que
uma parte significativa do Brasil atingiu o fundo do poço em termos de
sociedade. Em agosto deste ano, na cidade de Chemnitz, na Alemanha, milhares de
neonazistas se manifestaram contra o que consideram ser a “corrupção da
Alemanha”: a imigração. O ultradireitismo xenófobo voltou a assolar toda a
Europa, mas a Alemanha e seu governo decidiram enfrentar o problema.
A embaixada e o consulado alemães fizeram um pequeno vídeo,
de um minuto, explicando o que foi o nazismo e como ele é tratado hoje na
Alemanha.
O vídeo destacava que é crime na Alemanha a saudação
nazista, a negação do holocausto e que toda a memória do nazismo é preservada
como forma e sinal de aviso para que não se repita a história. A Alemanha
aprendeu – e continua a aprender diariamente – a lidar com suas feridas
históricas. O repúdio às doutrinas de extrema direita é ensinado nas salas de
aula e a experimentação de uma pequena fração da dor e vergonha pelo holocausto
é parte da formação escolar dos jovens alemães.
Aí surgiu o problema. No vídeo, a Embaixada alemã advertia
contra o surgimento das doutrinas de extrema-direita e então a ignorância
brasileira surgiu. Os brasileiros fizeram as conhecidas objeções de que o
“nazismo é de esquerda” e que o partido nazista se chamava “partido dos
trabalhadores” na Alemanha.
Esta idiotia é negada por nove entre dez profissionais da
História. O um que apoia é diletante e vem de outra área. Mesmo historiadores
não identificados com qualquer movimento político-partidário são unânimes em
dizer que esta “tese” é estapafúrdia e risível. Mas os brasileiros tiveram a
pachorra de dizer que os alemães não sabem nada sobre o nazismo e passaram a
“explicar” o nazismo para a embaixada germânica.
Um momento de vergonha internacional que tem suas raízes num
país que reverencia um astrólogo como “filósofo”, que bate palmas a um
torturador e o coloca como “herói nacional” que tem um candidato à presidência
que afirma que as buscas pelos corpos dos mortos e torturados na Guerrilha do
Araguaia é coisa de “cachorro que gosta de osso” e de um vice-general-candidato
cujo pai é símbolo do golpismo e violência no Brasil de 1935 a 1964.
A vergonhosa demonstração de ignorância da direita
brasileira continua por um desqualificado ator de filmes adultos que é recebido
no Ministério da Educação com “propostas” para a educação brasileira, e, entre
elas, está o banimento de Paulo Freire. A tentativa dos brasileiros de revisar
a história do nazismo e impingir isto aos alemães é mais um exemplo do
pedantismo desqualificado e intelectualmente descompassado deste neodireitismo
digital que cobriu o Brasil depois de 2013.
Não se pode, contudo, deixar de perceber que todo este
movimento tem sua origem no fato de que o Brasil não tratou sua história como
deveria. Enquanto no Chile os responsáveis pela ditadura pagam criminalmente
pelo que fizeram, na Argentina generais de mais de setenta anos morrem nas
cadeias e no Uruguai, militares de alta patente na ativa são presos por
emitirem opiniões políticas, no Brasil temos um apologista da tortura, que nega
a história e defende mortes e abusos como líder das pesquisas. Líder, porque um
STF deformado moral e tecnicamente resolveu calar mais de 40% das intenções de
votos no Brasil barrando Lula, contra decisão da ONU.
Um país que não pune seus golpistas, que não reconhece,
prende e castiga os monstros que historicamente se forçaram dentro da nossa
história e aceita que alguém defenda torturadores, estupradores e assassinos,
está fadado e ficar refém de golpes políticos sucessivos e sem nenhum limite. O
anti-intelectualismo, o revisionismo e o desrespeito a toda construção
civilizatória do século XX nos deram de presente Bolsonaro e Mourão. Nosso
elitismo, passado escravocrata e nossa horrenda diferenciação social nos
legaram o STF e o judiciário.
A composição destas duas chagas purulentas é promessa certa
de novo golpe em 2018 ou 2019. E em 2022, 2026 … e até que aprendamos que
História é algo sério e a Memória é parte institucional da sanidade democrática
de uma sociedade. O fogo que consumiu o Museu Nacional é um sintoma de uma
sociedade de costas para o seu passado e que pretende aprofundar sua prisão na
ignorância com o “Escola sem Partido”.
Um dia, talvez, vamos aprender que se alguém sair da escola
sem saber a fórmula de Baskhara ou a forma química do benzeno ele não será
necessariamente um monstro sem condição de viver civilizadamente. Mas a falta
de História, Filosofia, Sociologia, Arte e Música fazem com que conservadores e
neonazistas brasileiros passem vergonha tentando ensinar à Alemanha o que foi o
nazismo.
E o Ministério das Relações Internacionais do Brasil não dá
uma palavra sobre o assunto. O Ministério da Educação reduz aulas de História,
Filosofia e Sociologia para colocar matemática e “empreendedorismo”.
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