Escrevo esta coluna menos de 24 horas antes do resultado de uma eleição que, para qualquer lado que seja, mudará nossas vidas. No Brasil, como é óbvio; nas capitais e nas regiões metropolitanas, com seus profundos desequilíbrios sociais, como é claro, mas também nas cidades médias do estado, como a São Carlos em que vivo e trabalho.
Se pensarmos na eleição presidencial, não há como duvidar que uma eventual vitória do sociopata que ocupa a presidência significará a demolição do que ainda resta de direitos sociais e de instituições democráticas.
É evidente que, apesar dos desmentidos proforma, inclusive no debate, a turma do Guedes está só esperando a eleição para acabar com o reajuste de salários e aposentadorias com base na inflação passada.
E quem acha que está a salvo disso porque é empreendedor e não vive de salário, será apanhado na outra esquina porque eles também estão com o dedo no gatilho (para usar uma metáfora adequada ao atual governo) para eliminar as deduções com despesas de saúde e educação.
Neste caso o pau que bate em pobre vai bater também na classe média. Só não precisa se preocupar quem tiver conta em dólares abrigada em paraíso fiscal, como Guedes e os seus amigos.
No campo da tal democracia, que 78% dos eleitores afirmam ao DataFolha considerar muito importante, o que já está anunciado é a mais clássica manobra dos golpes estilo século XXI: aumentar o número de juízes do STF. Fácil imaginar que num Supremo com mais dois Kassios Nunes Marques e três Andrés Mendonça, terrivelmente isso ou aquilo, a Constituição se tornaria uma vaga lembrança.
Essa manobra é clássica também porque é de largo espectro ideológico. Chaves fez isso na Venezuela, Orban na Hungria e Erdogan na Turquia. Alguém duvida que, se eleito, Bolsonaro o fará?
Mas para nós, paulistas, inclusive os moradores desse território heterogêneo que não cabe na ideia rasa de “interior”, essas não são as únicas ameaças no horizonte.
Sabemos que debates na TV raramente tem grandes efeitos sobre a eleição. O de quinta-feira entre Haddad e Tarcísio, entretanto, escancarou uma pergunta: como é possível que metade ou mais do eleitorado paulista esteja disposto a votar num sujeito que até seis meses atrás tinha como projeto político ser senador por Tocantins?
Tarcísio não negou que alugou um apart hotel apenas para conseguir o domicílio eleitoral. Tentou disfarçar que conhecia o estado desfilando uma lista decorada de cidades e obras. Mas embatucou, numa cena que vai virar história, quando foi perguntado sobre o tamanho da avenida Sapopemba, que obviamente ele nem sabe se existe mesmo ou é pegadinha.
Ricardo Stuckert
Turma do Guedes está só esperando a eleição para acabar com o reajuste de salários e aposentadorias
As pesquisas mostram que os perfis dos apoiadores de Haddad e Tarcísio são muito parecidos aos de Lula e Bolsonaro. Num dos recortes mais gerais, os mais pobres votam em Lula e Haddad e os mais ricos em Bolsonaro e Tarcísio.
À primeira vista faria sentido que os setores mais ricos apoiassem aqueles cujas política econômica obviamente os favorece. Mas se olhamos mais de perto para uma cidade como São Carlos, com 250 mil habitantes, numa das regiões mais ricas do estado e conhecida como a Capital da Tecnologia, fica claro que isso é um tremendo engano.
Como demonstra a carta aberta publicada esta semana pela Frente Democrática de São Carlos, a hipótese da vitória de Tarcísio é desastrosa para o futuro imediato da cidade e de suas elites econômicas.
Se as instituições de pesquisa estaduais seguirem o mesmo caminho das federais, com arrocho orçamentário até o limite da asfixia, o impacto sobre a vida da cidade, a curto prazo, será brutal.
O exemplo de São Carlos é muito interessante porque permite entender o dilema colocado para o país como um todo. Mas serve também para superar a ideia redutora de que o “interior” é um território homogêneo e “conservador”. É bom lembrar que se o estado de São Paulo equivale a uma Argentina, o mal chamado interior é maior que o Chile.
Quando cerca de 20% da população da cidade, ou seja, cerca de 50 mil pessoas, está direta ou indiretamente ligada às universidades, centros de pesquisa e indústrias de base tecnológica, a política de Tarcísio, alinhado a Bolsonaro, trará uma crise imediata e arrasadora nos setor imobiliário, nos hotéis, bares e restaurantes e nos serviços e a asfixia, um pouco mais lenta mas segura, de toda a cadeia de indústrias de base tecnológica.
Na era do capitalismo do conhecimento, deixar de investir em educação e pesquisa é o caminho certo para o desastre, tanto nacional como local.
Os mais ricos podem achar que tem a ganhar imediatamente com mais arrocho salarial e lucros altos, mas em breve descobrirão que matando as galinhas ficarão sem ovos.
Quem tem chance, como os amigos de Guedes, de vender todas as galinhas e ir viver o resto da vida com a renda das contas em paraíso fiscal não pode ser obrigado a pensar no coletivo.
Mas quem, na minha cidade ou em tantas outras parecidas, depende da continuidade do seu emprego ou do seu negócio para dar uma vida digna a sua família, deveria pensar melhor no que vai fazer neste domingo.
(*) Carlos Ferreira Martins é Professor Titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.