Para o bolsonarismo, a campanha à presidência de 2026 começou logo após fevereiro de 2023, quando ficou claro que o golpe não tinha acontecido e que Lula teria um mandato.
Para o grande capital, usualmente disfarçado sob o codinome Faria Lima, isso abria dois caminhos, alternativos mas não excludentes, para pressionar Lula e impedir que ele fizesse um governo que reconquistasse apoio majoritário dos setores pobres da população a ponto de pavimentar uma reeleição. O que dependia basicamente de reanimar a economia, gerar empregos e baixar o preço dos alimentos.
De um lado, a estratégia previa continuar alimentando a oposição bolsonarista, no Congresso e fora dele. Via o fisiologismo visceral do mal chamado Centrão, que de centro não tem absolutamente nada, e pela continuidade do financiamento e estímulo do Agro Ogro à direita mais bronca.
Protestar contra o aumento de investimentos, sempre chamados de gastos, sabotar as receitas, inclusive infringindo a sacrossanta Lei de Responsabilidade Fiscal e indicar com isso o descompromisso de Lula com o arcabouço fiscal é o roteiro que unifica das forças retrógradas do Congresso aos “analistas” da grande mídia.
Segundo um meme corrente, se a direita legalizasse o retorno da escravidão, os seus porta-vozes cravariam nas manchetes que Lula sofreu mais uma derrota por falta de articulação.
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(Foto: Ricardo Stuckert / PR)
Do outro, houve uma leve aposta de setores mais “modernos”, que têm por porta voz o jornal Valor ou a Globo para assinantes, num Lula empurrado a posições “de centro”. Foram os estertores da terceira via, em que esperanças foram sucessivamente depositadas em Tebet, em Alckmin e, em certos momentos, até mesmo em Haddad.
Tudo leva a crer que os terceiroviistas jogaram a toalha nas últimas semanas. Talvez o marco tenha sido a incrível coluna de Joel Pinheiro da Fonseca, publicada pela Folha no dia 29 de abril, com o título Precisamos do bolsonarismo moderado. Evidentemente não se trata de atribuir ao jovem herdeiro de um poderoso pedigree acadêmico a capacidade de liderar um movimento ou sinalizar orientações para a vasta frente antilulista.
Parece mais razoável supor que, num afã de protagonismo, o mais jovem dos Fonseca tenha cometido o ato falho de publicar em letra de forma o que se comenta com desenvoltura nas mesas dos restaurantes caros dos Jardins.
O arrazoado, se é digno de tal nome, foi tão pobre que mobilizou vários comentários, majoritariamente vindo dos humoristas do próprio jornal.
Mas se lido um mês depois com certa frieza, revela, mais do que ingenuidade, a astúcia de um manual de autojustificativa de uma direita não bolsonarista, que ele qualifica como “uma minoria valorosa, imprescindível no debate público qualificado”, mas reconhece: “incapaz de conquistar as multidões”.
E dado que essa direita – a que ele naturalmente se filia – não tem capacidade de conquistar adesões, a saída é convencer a massa bolsonarista à moderação. Mais ambicioso do que buscar o Bolsonaro que saiba manejar os talheres é buscar o bolsonarismo “que respeite as regras da democracia” e não hesite no “repúdio ao uso da violência mesmo que tenha vindo do seu campo”.
Difícil saber se Fonseca Junior estaria pensando em Tarcísio, Zema ou Caiado quando buscava o bolsonarismo em que “seus valores podem encontrar formulações compatíveis com a ordem democrática”. Mas fica claro que nas mesas de restaurantes nos quintais dos Jardins não é elegante fazer menção a milícias ou à PM 007, aquela que tem licença para matar.
Tampouco seria de se esperar muita atenção a quireras como as dezenas de imóveis comprados com dinheiro vivo quando o calote de 20 bilhões nas Americanas foi apenas um caso de “inconsistência fiscal”, indubitavelmente “compatível com a ordem democrática”.
Mais curioso seria considerar que o jantar que Luciano Huck ofereceu a Campos Neto era uma oportunidade para definir o roteiro de buscas a esse novo pé grande, o bolsonarista moderado.
Enquanto isso, nos arraiais da situação, o governo parece emparedado tanto pela sanha predatória de um Lira ameaçado pela iminente perda de poder quanto pelas reportadas divergências internas, a ponto de ser incapaz de transmitir ao conjunto da população as inegáveis melhoras de situação econômica.
Por um lado, Lula resiste à insistência dos setores à esquerda por uma comunicação convocatória de mobilizações populares, talvez por estar decidido a evitar um governo de tipo chavista, como sugere Ricardo Musse, porque isso significaria uma oposição ainda mais aberta do mercado e o fim da expectativa de uma melhoria econômica.
Por outro lado, não há lógica política no braço de ferro com os docentes universitários na atual greve. Se a greve tem os problemas que já apontei na coluna anterior, não há como entender uma política que dá aumentos salariais a policiais e outros setores que sustentaram – e sustentam- o bolsonarismo, e negá-los àquele que foi o setor a primeiro e mais fortemente se mobilizar contra o bolsonarismo.
(*) Carlos Ferreira Martins é Professor Titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos