Contexto
Daniel Noboa Azín, membro da Ação Democrática Nacional, partido ultraconservador apoiado por uma aristocracia bananeira multimilionária, atua como presidente da República do Equador desde 23 de novembro de 2023 e permanecerá no cargo até maio de 2025, completando o mandato de Guillermo Lasso, que foi obrigado (“Morte Cruzada”) a deixar o cargo prematuramente. O processo eleitoral que deu a vitória a Noboa ficou manchado de sangue com o assassinato de Fernando Villavicencio, candidato progressista que recebia o apoio majoritário do eleitorado.
Noboa, desde o início de sua gestão, não só encarou uma grave crise de segurança herdada de Lasso, mas também uma grave crise econômica que está atingindo cada vez mais os setores médios e populares do Equador. Em sua campanha ofereceu reativar a economia e uma “mão forte” contra o crime organizado que, aparentemente, incluiu a captura de Jorge Glas, ex-vice-presidente de Rafael Correa, a qualquer custo, violando inclusive a soberania do México e da Convenção de Viena (1961)
Noboa sabe que é um “presidente interino” cujo mandato termina em 2 anos. Se quiser continuar no cargo, terá que concorrer à reeleição desde que as atuais normas que o impedem sejam modificadas por meio de referendo. Os seus estrategistas acreditam que a violação da soberania do México os beneficia politicamente.
Os acontecimentos
De acordo com o que a própria chanceler Gabriela Sommerfeld confirmou, na noite de 5 de abril de 2024, Noboa deu ordem expressa para assaltar a Embaixada do México em Quito e prender, com violência incomum, Jorge Glas, que tinha status de asilo político. O argumento difundido é que “nenhum criminoso pode ser considerado perseguido politicamente” e, dando sinais de ser um regime policial, Glas foi enviado para uma prisão de segurança máxima onde, segundo seus advogados, sua vida corre perigo.
O que aconteceu em Quito é uma violação inaceitável e flagrante do direito internacional, da soberania do México e da Convenção de Viena que estabelece a inviolabilidade das sedes diplomáticas que gozam do princípio da extraterritorialidade. A ordem de Noboa, executada com abusos e maus tratos físicos a funcionários da Embaixada do México, não tem precedentes nem mesmo nas ditaduras criminosas de Rafael Videla (Argentina) e Augusto Pinochet (Chile).
A resposta mexicana foi imediata. Alicia Bárcena, chanceler do governo mexicano, formalizou o rompimento das relações diplomáticas com o governo equatoriano, e também anunciou que levará o caso à Corte Internacional de Justiça. Foi a resposta adequada de um Estado cuja política externa tem o direito de asilo como um de seus pilares fundamentais.
Ao mesmo tempo, a rejeição e a condenação internacional da atitude do governo equatoriano foram notícias que correram o mundo. CLACSO, CELAC e a UE rejeitaram firmemente a conduta do governo equatoriano. A OEA esperava que os Estados Unidos o fizessem em reação às críticas de AMLO. Os governos do Brasil, Chile, Colômbia, Venezuela, Bolívia, Argentina e Peru, entre outros, condenaram o ato. A Nicarágua rompeu relações com o Equador.
Enquanto o mundo repudiava a violação da soberania mexicana, os Estados Unidos e o Canadá a ignoraram com declarações ambíguas sobre o que aconteceu em Quito. Só depois que o presidente do México criticou essas posições que beiravam a complacência é que não tiveram outra escolha senão condenar a violação da soberania mexicana e da Convenção de Viena. A verdade é que a atitude dos Estados Unidos não surpreende porque quanto mais divisão e confronto houver entre os governos latino-americanos, mais funcional será a sua estratégia de boicote aos processos de integração regional.
Por enquanto, o Conselho Permanente da OEA formulou uma “forte condenação ao ataque à Embaixada do México” em Quito. A Resolução deste órgão supranacional teve o voto de aprovação de 29 dos seus membros contra a oposição solitária do delegado equatoriano. Infelizmente, a reunião terminou sem o pedido de desculpas exigido pelo protocolo e não tampouco foram exigidas explicações aos Estados Unidos por estranhamente atrasarem a condenação do incidente e ao Canadá por dizer que se tratava de uma “aparente violação da soberania do México”.
A verdade nos bastidores
Os acontecimentos em Quito têm como pano de fundo ações antigas e sistemáticas dos Estados Unidos para enfraquecer e bloquear todos os esforços que visam a integração regional. Nesse sentido, eles se encaixam perfeitamente com a diatribe e os gestos insultuosos de Milei contra Lula, Petro e Maduro.
Portanto, a atitude de Noboa contra o México não parece um acontecimento isolado. Desde que assumiu o cargo, ele e os seus responsáveis, especialmente a procuradora Diana Salazar, operadora do Lawfare contra todos os opositores “perigosos”, são anfitriões frequentes do secretário de Estado, do Comando Sul e do próprio Pentágono.
Com o apoio explícito do Departamento de Estado, Noboa procura distorcer o significado dos acordos de Genebra de tal forma que lhe permitam considerar os grupos criminosos que operam em território equatoriano como “atores beligerantes não estatais”. Se conseguir, terá uma forma expedita de estabelecer uma situação de “conflito armado interno” que é a condição básica para militarizar o país.
Consequências imediatas
Além da ruptura das relações diplomáticas do Equador com o México e a Nicarágua, as péssimas relações entre a Argentina e a Colômbia, bem como os problemas que os Estados Unidos incentivam dentro do Mercosul, deixam os processos de integração latino-americanos numa situação muito má.
Embora seja um claro benefício geopolítico a favor da política dos Estados Unidos de “dividir para governar”, a condenação internacional dos acontecimentos em Quito coloca o Departamento de Estado em alerta e procurará formas de evitar danos colaterais da aventura de Noboa.
Internamente, a primeira minoria da Assembleia Nacional do Equador que manteve uma trégua de “governança” decidiu abandonar o referido “compromisso não escrito” e entrar numa oposição ativa que inclui julgamentos políticos de ministros e do próprio Noboa.
Os migrantes equatorianos em território mexicano que procuram chegar nas fronteiras dos Estados Unidos, poderiam ser gravemente afetados pela atitude errada do seu país. Teremos que esperar pelas decisões do governo mexicano, cujo humanismo foi demonstrado em diversas ocasiões.
Se Noboa acredita que a insegurança se combate com a captura brutal do antigo vice-presidente de Correa, violando a soberania e o direito internacional, está completamente enganado.