As reuniões anuais do FMI e do Banco Mundial terminaram em Istambul, em clima de repressão. Pelo segundo dia consecutivo, os 10 mil policiais turcos mobilizados para a ocasião não hesitaram em usar canhões d'água, gás lacrimogêneo e veículos blindados para dispersar os manifestantes. A mesma situação ocorreu no fim de setembro, na cúpula do G20 em Pittsburgh (EUA), onde os protestos contra a versão expandida do G8 também foram suprimidos pela polícia. O FMI e o Banco Mundial realizaram sua reunião anual poucos dias depois da controvertida decisão do G20 de modificar os direitos de voto em ambas as instituições: 5% das cotas no FMI e 3% dos direitos de voto no Banco Mundial devem ser transferidos aos chamados países emergentes até janeiro de 2011.
O sistema atual é cada vez mais questionado, tanto pelos países do Sul quanto pelos movimentos sociais. Tal sistema baseia-se na regra “um dólar, um voto”, em oposição ao sistema da Assembleia Geral das Nações Unidas, no qual cada país é representado por um só voto. Para o diretor do FMI, o socialista francês Dominique Strauss-Kahn, este fato é uma “decisão histórica”. No entanto, para o Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM), não passa de mais uma farsa sinistra.
Na verdade, essa transferência não altera o equilíbrio de poder dentro das duas instituições. Por exemplo, a China, que será um importante beneficiário, tem hoje cerca de 3% dos direitos de voto, muito atrás dos Estados Unidos, que possuem mais de 16% dos votos, o que na prática lhes garante um direito de veto sobre todas as decisões importantes. Já o grupo liderado por Ruanda, que inclui 24 países da África e representa 225 milhões de pessoas, possui 1,39% dos direitos de voto! Não é preciso ser um matemático para entender que estas reformas anunciadas com estardalhaço nos meios de comunicação não transformarão o Banco Mundial ou o FMI em organizações democráticas. Pode-se inclusive afirmar que eles jamais serão transformados, já que o atual sistema não pode ser modificado sem a aprovação dos Estados Unidos.
Outro agravante: desde 1944, o presidente do Banco Mundial sempre foi um cidadão dos Estados Unidos, enquanto o diretor do FMI sempre foi um cidadão da União Europeia, em virtude de uma regra não escrita. Esta divisão de poderes, somada à distribuição profundamente antidemocrática dos direitos de voto, demonstra que o FMI e o Banco Mundial são instrumentos nas mãos das potências ocidentais para impor ao restante do mundo políticas que servem a seus próprios interesses.
Fôlego renovado
Depois de passar por uma grave crise de legitimidade, o Banco Mundial e o FMI ganharam novo fôlego graças à crise mundial. Entre 2004 e 2008, o aumento significativo dos preços dos produtos básicos ampliou as reservas de divisas de alguns países em desenvolvimento, que aproveitaram a oportunidade para antecipar o pagamento das dívidas com seus credores, a fim de se livrar de sua incômoda tutela. No entanto, a partir do final de 2008, o agravamento da crise mundial mudou radicalmente a situação. A lista dos países afetados pela crise continua crescendo e o G20 colocou o FMI e o Banco Mundial no centro do jogo mundial. Assim, sob a pressão do FMI, a Romênia teve de pôr em prática políticas regressivas, como a redução brutal de cerca de 15% dos salários dos funcionários públicos, em troca de dinheiro para superar a crise no curto prazo. Desde 2008, quinze países tiveram a mesma sorte. Já o Banco Mundial se beneficiou com a crise ambiental por meio da criação de mais fundos de investimento climático, ao mesmo tempo em que continua financiando projetos de mineração e desmatamento. Além disso, ao longo de 2008, os recursos destinados ao desenvolvimento de energia limpa foram cinco vezes inferiores aos destinados a energias não renováveis, que cresceram 165% (1).
E então o G20, autoproclamado “órgão regulador global”, desempenhou um papel decisivo na tentativa de recuperar a legitimidade do FMI ao triplicar seus recursos financeiros em Londres, em abril do ano passado, e ampliar sua missão depois da cúpula de Pittsburgh. O FMI está bem posicionado como guardião no coração da economia mundial “para promover a estabilidade financeira internacional e reequilibrar o crescimento”. Em Istambul, decidiu-se “revisar o mandato do FMI para abarcar todas as políticas macroeconômicas relacionadas ao setor financeiro que afetam a estabilidade da economia mundial” (2).
Portanto, o órgão “formulará recomendações de política aos países que deverão adotar medidas corretivas adequadas”. Não é preciso ser clarividente para saber de antemão quais serão estas recomendações. O FMI declarou, em junho deste ano, a respeito das políticas aplicadas na zona do euro, que “as medidas adotadas para apoiar a redução de horas de trabalho e incrementar as prestações sociais – embora sejam importantes para aumentar a renda e manter o funcionamento do mercado de trabalho – devem ser intrinsecamente reversíveis” (3).
O relatório “Doing Business 2010” do Banco Mundial é ainda mais explícito, pois desencoraja os países a adotarem programas de assistência social, ao qualificar os governos que os executam de “não competitivos” (4). Portanto, apesar de seus reiterados fracassos, o Consenso de Washington, espécie de manual do neoliberalismo, continua sendo a receita prescrita pelo FMI e pelo Banco Mundial aos países que buscam sua “ajuda”.
No entanto, o custo resultante do fracasso das políticas de ajuste estrutural impostas aos países do Sul depois da crise da dívida de 1982 tem sido proibitivo: a pobreza e a desigualdade se agravaram, enquanto o problema da dívida continua longe de uma solução. Pior ainda: uma nova crise da dívida está em gestação, o que aumentará ainda mais a proporção dos orçamentos nacionais destinada a reembolsar os credores – a não ser que os governos decidam suspender o pagamento da dívida para dar prioridade ao atendimento das necessidades básicas humanas e realizem uma auditoria para cancelar, de forma incondicional, a parte ilegítima da dívida que não beneficia a população. Seria um primeiro golpe contra as funestas políticas do FMI e do Banco Mundial, cuja abolição e substituição por instituições que trabalhem em benefício das pessoas devem continuar sendo reivindicações sociais ineludíveis.
(artigo foi publicado originalmente pelo Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo e reproduzido pela ALAI)
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