A análise geopolítica de eventos como o G20 no Brasil e a APEC no Peru, por si só transcendentais, não centraliza o seu interesse na dinâmica formal de funcionamento destes mecanismos, mas na forma como vão fluindo os acontecimentos derivados da luta pela hegemonia mundial. Escondidos atrás de slogans mais ou menos chamativos criados para cada ocasião, os “negociadores” dos Estados Unidos e da China jogam um jogo separado para expandir a sua influência no mundo ou, pelo menos, para impedir que “o outro” avance. Nessa lógica, a Rússia (aliada da China) presidirá a primeira reunião do BRICS+ em outubro de 2024 e o Brasil reativará o IBAS Trilateral dentro do G20.
Enquanto o Brasil dá o tom no G20 e Lula lidera o questionamento global do genocídio na Faixa de Gaza; no Peru, quem governa sem ter vencido as eleições não entende a oportunidade da APEC e debate os problemas políticos em benefício da corrupção.
Bom para o Brasil. Note-se, no entanto, que em ambos os mecanismos quem dita o ritmo e a cadência são a China e os Estados Unidos. Nesta ordem de ideias, o G20 e a APEC, durante 2024, são dois espaços onde a luta pela hegemonia global se desenvolve com particular intensidade. Lá você tem que procurar a direção dos acontecimentos.
G20: BRASIL
Pela primeira vez, o Brasil acolhe o G20 que, para os seus membros, apresenta indicadores que revelam um enorme poder: 85% do PIB mundial, 75% do comércio mundial e 66% da população mundial. O seu objetivo formal é a Estabilidade Financeira Internacional.
Sob o slogan “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável”, como anfitrião do G20-2024, o Brasil orienta e propõe a agenda. Por exemplo, Fernando Haddad “colocou o dedo na questão” ao propor:
- Estabelecer uma “taxa mínima de imposto sobre a riqueza global”, buscando “maior justiça fiscal no mundo”. O suporte técnico foi fornecido por Gabriel Zucman, um dos líderes mundiais no assunto. As suas estimativas dizem que um imposto de 2% sobre a riqueza de 3 mil multimilionários poderia dar ao planeta mais de 250 mil dólares anuais, que poderiam ser usados para combater a desigualdade. A proposta não é nova, a própria OCDE já a propôs, mas a ganância prevalece.
- Condenar a guerra na Ucrânia, deixando claro, embora não explicitamente, que ali se trata de uma guerra entre a OTAN e a Rússia; e condenar o genocídio em curso na Faixa de Gaza. Na verdade, o Ocidente irá se opor a isso como tem feito até agora. Ninguém espera consensos onde a hegemonia mundial está em jogo.
- Promover uma nova governação global para enfrentar seriamente os problemas do aquecimento global e lidar com os desafios da inteligência artificial como condição para o desenvolvimento sustentável. Lula disse que chegou a hora de abordar “o anacronismo das instituições de governança global”.
- Inclusão social e combate à fome, à pobreza e à desigualdade. Sem mudanças na governação global, esta luta continuará sendo uma propaganda.
- Reforma das instituições globais tendo em conta a visão do Sul Global. Acabar com decisões da ONU e da Secretaria-Geral, bem como de outras organizações multilaterais que não têm contato com a realidade.
APEC NO PERU
Tal como o G20, a APEC apresenta indicadores de força e poder. É responsável por 60% do PIB mundial; 50% do comércio mundial e tem mais de 40% da população mundial em seus territórios. O seu objetivo formal é liberalizar o comércio e o investimento na região Ásia-Pacífico.
Em 2023, a cúpula da APEC realizada nos Estados Unidos se despedia com um documento intitulado “Criando um Futuro Resiliente e Sustentável para Todos”. Além dos lugares comuns de combate à pobreza, ao aquecimento global, à corrupção, entre outros, não disseram uma palavra sobre a Ucrânia e a Faixa de Gaza.
Para a APEC-2024, o Peru (membro desde 1998) concordou com o slogan “Capacitar, Incluir, Crescer” como a visão da XXXI edição da APEC. Em 2008, ela prometeu “Um Novo Compromisso com o Desenvolvimento da Ásia-Pacífico”; e em 2016 um “Crescimento de qualidade e desenvolvimento humano”. Como é perceptível, os slogans fluem, embora ninguém saiba o grau de compromisso dessas promessas.
As reuniões preparatórias da APEC-2024 estão em pleno andamento até novembro de 2024, quando será realizada a cúpula de líderes. O Peru deveria estar definindo a agenda de trabalho, levantando especialmente questões de interesse nacional, mas os seus problemas políticos internos, que incluem a recente queda do seu primeiro-ministro, tornam a sua gestão neste mecanismo pobre e vergonhosa.
Segundo porta-vozes do governo, o Peru procuraria promover:
- Uma Zona de Livre Comércio Ásia-Pacífico, na linha da iniciativa de Xi Jinping proposta na APEC-2014. Com a mudança de cenários, a proposta parece ter perdido validade, mas a inércia é mais forte e no Peru não a perceberam.
- Aprovar um roteiro que facilite a transição da economia informal para a economia formal. Este tema é uma homenagem à “teoria da mudança” proposta pela OIT para todo o planeta e a sua incorporação na agenda da APEC não parece clara, exceto por uma declaração protocolar.
- Quadro que facilite o desenvolvimento do hidrogênio verde como resultado da utilização de energias renováveis, como a eólica ou a solar. Nisto o Peru tem muito potencial.
- Planos de ação para promover a inclusão e a sustentabilidade financeira.
Além destas questões “abrangentes”, o Peru poderia levantar questões de interesse nacional que, no âmbito da APEC, teriam viabilidade. Por exemplo:
- O Porto de Chancay, cujo significado regional e global merece uma abordagem no âmbito da visão de desenvolvimento do país.
- O comboio bioceânico já não é um sonho distante e seria bom incluí-lo na agenda prioritária. Além disso, uma oportunidade imperdível de acordo bilateral com o Brasil.
- Os trens suburbanos e o trem bala Tacna-Tumbes, com projeções para Equador e Chile. Se o Peru não o fizer, a China sem dúvida o fará.
- Defesa irrestrita da Amazônia, do meio ambiente e combate direto às mudanças climáticas.
- Combate direto contra a corrupção, seja de onde for, como garantia da recuperação da democracia no Peru.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Rocio Paik.