Em 6 de dezembro, o Brasil assistiu horrorizado à repressão da Polícia Militar contra manifestantes dentro da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. O protesto exigia que os deputados paulistas e o governador Tarcísio de Freitas submetessem a um plebiscito o tema da privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a SABESP.
Os deputados da base do governo, ignorando a Constituição Estadual, os ritos da Casa Legislativa e todas as greves de trabalhadores contrários à privatização, aceleraram a votação do Projeto de Lei (PL) nº 1.501/2023, que autoriza a venda da SABESP. Comprometidos com o governador através da distribuição de emendas, aprovaram o PL sob brutal repressão aos manifestantes.
Durante mais de trinta minutos, o plenário da ALESP se tornou um cenário de guerra: uma câmara de tortura foi criada pelo uso do gás de pimenta dentro do ambiente fechado e, pelos golpes de cassetetes e escudos, dezenas de trabalhadores ficaram gravemente feridos.
Correlação de forças na Casa do Povo
Gotas de sangue ainda mancham o carpete e as poltronas da galeria destinada ao público na ALESP. Em tese, qualquer um pode entrar lá pra ver. Mas antes precisará passar por um rigoroso controle de acesso, no qual revistam sua mochila, confiscam garrafas de água e alimentos.
Naquela quarta-feira, 240 pessoas também passaram por esse esquema de segurança, com o agravante de que, quem olhasse entre as frestas dos tablados que fechavam o corredor lateral do plenário, poderia ver policiais de operação especial vestindo roupas de guerra.
Éramos professores, estudantes, sindicalistas, militantes do movimento social, trabalhadores da SABESP, METRÔ e CPTM. Como não sabíamos o horário exato da sessão, chegamos antes do almoço. Também fomos obrigados a entregar nossas garrafas de água e lanches na revista.
Em nossas mãos somente cartazes; com sede e com fome, entramos às quatorze horas naquele lugar que seria palco de uma imensa covardia.
Uma democracia aos moldes de 64
Estávamos desde segunda-feira (04) acompanhando aquele show de horrores. Os deputados da oposição subiam à tribuna para denunciar as inconsistências, contradições e irregularidades do projeto:
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O governador encomendou, sem licitação, uma pesquisa para justificar a privatização. O contrato pagaria mais caro à IFC (instituição ligada ao Banco Mundial) caso o resultado da pesquisa fosse positivo;
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Não existe uma única linha no plano de governo de Tarcísio sobre a privatização da SABESP e, portanto, é falso que o governador teria carta branca do povo para implementar essa medida sem consulta popular (plebiscito);
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O projeto de lei não passou pelo rito das comissões da casa legislativa;
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Serviços públicos universais e essenciais ao povo não podem ficar sob o controle do capital, pois a lógica do lucro fala mais alto que a vida das pessoas. O caso recente da ENEL comprova essa tese e a empresa está sendo alvo de uma CPI
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A SABESP é uma empresa superavitária e lucrativa ao Estado de São Paulo, mas a proposta do governador sequer aponta por quanto as ações serão vendidas aos acionistas privados.
Os deputados da extrema-direita não se deram o trabalho de responder esses questionamentos.
Os poucos que subiram à tribuna para defender o projeto se concentraram em hostilizar os manifestantes com discursos carregados de ódio. Nas palavras de um fascista do MBL, “aqui só tem estudante que não estuda, sindicalista que não trabalha”. Outro deputado, enquanto comia um pão com mortadela, exigia que o presidente da mesa esvaziasse as galerias. Todos passaram mais tempo fazendo lives para zombar dos manifestantes do que respondendo aos questionamentos sobre as irregularidades do projeto.
Fomos censurados a todo momento: se cantássemos palavras de ordem pelo plebiscito, o presidente da mesa ameaçava nos retirar do plenário, enquanto policiais ameaçavam confiscar cartazes cujo conteúdo não agradasse os deputados favoráveis à privatização.
Paulo Pinto/Agência Brasil
Categorias em greve, junto de trabalhadores da Sabesp, fazem um ato em frente a Assembleia Legislativa de São Paulo. 28.11.2023.
Repressão e criminalização dos lutadores sociais
Nesse cenário, minutos antes de iniciar a votação, fomos censurados pela força das armas. As tropas de choque iniciaram avançaram com o objetivo de esvaziar as galerias para seguir a votação sem protestos.
Além das dezenas de feridos, quatro militantes da Unidade Popular pelo Socialismo foram presos: Vivian Mendes, Lucas Carvente, Hendryll Luiz e Ricardo Senese. Vivian e Senese saíram em liberdade provisória na audiência de custódia, mas respondem pelo absurdo crime de associação criminosa. Hendryll e Lucas ficaram seis dias no Centro de Detenção Provisória de Guarulhos. Nessa toada de censura, a deputada estadual do PSOL, Mônica Seixas, teve seu mandato ameaçado.
A luta contra as privatizações cresce
Para a frustração de Tarcísio de Freitas, a revolta popular com tamanha violência faz crescer a luta contra as privatizações em São Paulo e no país. Milhares de entidades e associações em todo território nacional se posicionaram contra as prisões políticas, escancarando o caráter autoritário da criminalização dos movimentos sociais; juristas renomados, como Antônio Kakay, Cezar Britto e Luiz Greenhalgh, ingressaram no pedido de Habeas Corpus dos presos políticos; o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, recebeu uma comitiva em caráter emergencial.
Toda essa indignação ganhou as ruas da capital em 14 de dezembro com a mobilização de sindicatos, partidos e entidades estudantis, dizendo não às privatizações da SABESP, Metrô e CPTM e pela reintegração dos metroviários demitidos nas greves. A verdade é que eles podem ter a caneta que aprova as leis, aparato policial para reprimir as manifestações e controle da mídia para construir a narrativa dos poderosos, mas não têm o povo.