Uma forte tempestade deixou cerca de 2,1 milhões de famílias paulistas sem energia elétrica no início de novembro. Nas regiões periféricas de São Paulo, residências e equipamentos públicos ficaram até seis dias no escuro.
O completo descaso da ENEL, empresa privada responsável pela distribuição de energia, revoltou a população. Com tamanha calamidade, o debate sobre a qualidade dos serviços essenciais privatizados voltou a estampar as manchetes dos jornais.
A privatização é responsável pelo apagão
A Eletropaulo, empresa estatal criada em 1981 para operar o sistema estadual de energia, foi desmembrada no ano de 1998 e a distribuição de energia do Estado de São Paulo foi entregue às mãos de empresas estrangeiras, ao lado de outras dezenas de empresas públicas estratégicas e essenciais para a soberania e o desenvolvimento do País.
Em 2018, a concessionária italiana ENEL passou a ser responsável pela cobertura de 7,5 milhões de residências da cidade de São Paulo e outros 24 municípios.
Fato é que antes os cidadãos paulistas fiscalizavam uma empresa pública, cobrando diretamente do governo as melhorias necessárias no sistema. Agora, a reclamação é feita a uma empresa privada controlada pelo Estado italiano. Será que seus acionistas, cujos exorbitantes lucros atingiram R$ 1,4 bilhão em 2022, têm pressa em resolver os problemas da população do Capão Redondo, bairro periférico do extremo sul da capital?
Sem dúvidas, a lógica da maximização dos lucros fala mais alto do que o sofrimento das famílias que ficaram sem luz. Afinal, recentemente a ENEL demitiu 36% dos funcionários e terceirizou boa parte do efetivo, com o objetivo de reduzir seus custos com os salários dos trabalhadores. Não é de se estranhar, portanto, que o presidente da concessionária, Nicola Cotugno, tenha se limitado a um pedido de desculpas, alegando não saber quando poderá compensar os danos causados.
“Faça o que eu digo, não faça o que eu faço”
Segundo levantamento feito pelo centro de estudos Transnational Institute, a tendência no centro do capitalismo é de reestatização de empresas de serviços essenciais como energia, água e transporte. Ao todo, quase 900 empresas retornaram para o controle público em países como EUA e Alemanha. O governo francês, por exemplo, acaba de concluir a reestatização da Eletricitè De France, maior geradora de energia elétrica do país.
Ignacio Morgan / Wikicommons
Centro de distribuição da ENEL no Chile
A explicação para esse fenômeno, de acordo com a pesquisa, parece bem óbvia: para lucrar mais, as empresas privadas cobram caro para prestar um serviço ruim.
O curioso, no entanto, é que os caríssimos conselhos econômicos do capital financeiro para a América Latina são outros.
Afinal, foi com grande dedicação que a International Finance Corporation (IFC), instituição ligada ao Banco Mundial, recomendou a privatização da SABESP, empresa estatal responsável pelo saneamento básico de São Paulo. O estudo foi encomendado pelo governador Tarcísio de Freitas e custou uma bagatela de R$ 45,6 milhões aos cofres públicos.
Impedir as privatizações é defender o interesse popular
O povo é contrário à venda do patrimônio público, porque sabe que o lucro sempre vai falar mais alto. Não à toa, 97% das 900 mil pessoas que participaram do plebiscito popular organizado pelos sindicatos e movimentos sociais são contrárias à privatização da SABESP e dos serviços de transporte sobre trilhos, Metrô e CPTM.
Se por um lado Lula despachou, já no início do mandato, a revogação das privatizações em curso, como Correios e Petrobrás, por outro, a manifestação do ministro de Minas e Energia sobre o caso da ENEL expressa, senão um grau de contradição, uma certa timidez. Alexandre Silveira (PSD) falou apenas em punição para a empresa e a necessidade de adotar um modelo de parcerias cuja renovação se dê apenas com as concessionárias que atendam aos critérios de qualidade.
Esse acanhamento, somado à tramitação em regime de urgência da venda da SABESP, que revela a subordinação da Assembleia Legislativa aos interesses do governador Tarcísio, nos faz ter certeza de que a mobilização popular é a única forma de reverter o projeto privatista em curso.
Para nossa sorte, as categorias afetadas pelas privatizações vem demonstrando sua força, desde a greve unificada que parou a região metropolitana de São Paulo, no dia 3 de outubro.
Esses mesmos trabalhadores, apesar das ameaças, demissões e retaliações de todo tipo, estão preparando uma greve ainda maior para o dia 28 de novembro, com adesão de outras categorias do serviço público. Inspirados nos exemplos de vitória, como a greve dos operários que reverteu 1244 demissões nas fábricas da General Motors, depositamos nossas esperanças na união e na força desses trabalhadores.
(*) Isis Mustafa é dirigente do partido Unidade Popular pelo Socialismo e 1ª vice-presidente da UNE.