A terceira mesa da “Confecom da direita”, realizada na última segunda-feira, foi intitulada “Ameaças à democracia no Brasil” e foi a mais trepidante de todas. Contou com Demétrio Magnoli, o Gustavo Corção da Libelu, Denis Rosenfeld, o Rolando Lero na filosofia gaúcha, e
Amauri de Souza, sociólogo. Na mediação, Tonico Ferreira (Globo).
Ferreira é mais um daqueles que um dia foram de esquerda e
transitaram alegremente para a outra ponta do espectro político sem
culpas. Chefe de redação do semanário Movimento, no final dos anos
1970, Ferreira, de saída, denuncia o caráter autoritário da lei
eleitoral. “É censura”, diz ele, antes de passar a palavra a Magnoli.
Leia também sobre a parte “séria” do evento:
A conferência de comunicação particular da direita
Este não perde tempo. Logo faz um apanhado da história do PT e
dispara: “A relação do partido com a democracia é ambígua. Juntamente
com o PSOL, apoiou o fechamento da RCTV”. Acusa a agremiação de Lula de
fazer uma volta atrás em seu ideário democrático. “Retomaram a ideia
autoritária de partido dirigente e de democracia burguesa”, sentencia.
E logo completa: “Este movimento, de restauração stalinista, é
reforçado pela emergência do chavismo e do apoio a Cuba”. Na plateia,
uma senhora murmura: “Que vergonha nosso governo apoiar isso”.
O risco, para Magnoli, é um possível governo Dilma, supostamente
mais subordinado ao PT do que a gestão Lula. O fim das ameaças, para
ele, só acontecerá “com a vitória da oposição”. Bingo! E culmina: “Não
somos Venezuela e Cuba! Temos de falar que nós somos diferentes!”.
Aplausos entusiasmados.
Rosenfeld vai pela mesma toada, mas busca elaborar uma “pensata”
sobre o “corpo e o espírito do capitalismo”. Segundo ele, o corpo vai
muito bem. “Os grupos econômicos ganharam muito dinheiro nesses oito
anos”. O problema é o espírito, “os bens intangíveis”, revela o
filósofo. A base material é garantida pelo governo, segundo Rosenfeld.
“As metas de inflação, a autonomia operacional do Banco Central e o
superávit fiscal” mostrariam um rumo seguro. Mas o espírito está sendo
minado, alerta. Esse ectoplasma é “a liberdade de expressão” que
estaria ameaçada. E enumera os problemas, numa tediosa repetição: “O
PNDH, o MST, a questão dos quilombolas” etc. etc. etc.
A sutileza do sr. Basile
O seminário foi sumamente repetitivo, diga-se de passagem. No
período da tarde, os previsíveis Arnaldo Jabor, Carlos Alberto di
Franco (Opus Dei) e Sidnei Basile (diretor da Abril) tentaram dar novas
roupagens ao samba de uma nota só do evento. Basile, sob o olhar atento
de Roberto Civita, seu patrão, defende um regime de autorregulação para
a imprensa. “Algo semelhante ao Conar” (Conselho de Autorregulamentação
Publicitária), formado pelas próprias agências, ao invés de uma lei
para o setor.
A proposta é ensandecida. Se aplicada a toda a sociedade, com cada
um supervisionando seu próprio setor, o mundo seria uma graça. Um
exemplo. Não haveria mais leis de trânsito, sinais, placas, mão e
contramão. Os motoristas se reuniriam e fariam um código de
autorregulação. Se os pedestres reclamarem, basta acusá-los de tentar
bloquear um dos mais sagrados direitos, o de ir e vir dos motorizados.
Todos se autorregulariam e chegaríamos ao reino encantado de Basile. No
meio de seu delírio anarquista, o executivo, sempre observado pelo
patrão, acusou a convocação da Confecom por parte do presidente da
República como um ato “cínico e hipócrita”. Adendou: “Um conto do
vigário”. Basile é de uma sutileza a toda prova.
Jabor, que aparentemente não preparou intervenção alguma, repetiu
“jaborices” pelos cotovelos. Populismo autoritário, jacobinos,
bolcheviques e quejandos formam o mundo a ser vencido. Homem experiente
que é, contou mais uma vez já ter sido comunista. E disparou diatribes
à granel. Impossível não lembrar de uma impagável frase do escritor
paulistano Marcos Rey (1925-1999). Este dizia não gostar de dois tipos
de gente, ex-comunistas e ex-fumantes, “porque ambos são metidos a dar
conselhos”.
Outro lado pra quê?!
A quarta mesa – “Liberdade de expressão e Estado democrático de
direito” – contou com a participação de três luminares: Reinaldo
Azevedo (Veja), Marcelo Madureira (Casseta & Planeta) e o Dr.
Roberto Romano (Unicamp), os dois últimos tentando ver quem era mais
Reinaldo Azevedo que o próprio Reinaldo Azevedo.
O próprio é um fenômeno da natureza. Um criador de personagens. É
uma espécie de Walt Disney de si próprio. Disney inventou o Mickey, o
Pato Donald, o Pateta e uma plêiade de figuras inesquecíveis. Reinaldo
Azevedo criou Reinaldo Azevedo. “Sou de direita!”, avisa de saída. “A
imprensa tem que acabar com o isentismo e o outroladismo, essa história
de dar o mesmo espaço a todos na mídia”.
Madureira foi mais um a alardear sua condição de ex-comunista. Fez
piadinhas, embora não se saiba se seu cachê incluía chistes e gags.
Atacou tendências autoritárias e “recadinhos” oficiais. “O governo
pressiona os editores com os anúncios da Petrobras e do Banco do
Brasil. Isso é censura!”. Com a presença do patrão na plateia, logo
sublinhou: “A Globo não nos censura”.
Mas o humorista da tarde foi o Dr. Roberto Romano. Este revelou ao
mundo uma nova teoria, que vai pegar. É sobre a militância. Atenção: “O
partido de militantes causa a corrosão do caráter”. Guardem essa!
Depois de A corrosão do caráter, de Richard Sennet, que fala dos
vínculos trabalhistas e sociais tênues e sua influência no
comportamento humano, um livro sério, o Dr. Romano vem com sua versão
pândega. E explica: “No partido de militância não tem mais jornalista,
médico e nem nada. Tem o militante que se reporta ao chefe”. Isso, para
as muitas luzes do Dr. Romano, corrói o caráter. Olha lá, Brasil! A
partir de agora, só se falará em outra coisa!
As pesquisas científicas do Dr. Romano o levaram a constatar, além
de tudo, que “90% das ONGs são totalitárias”. Como o mediador William
Waack prometeu publicar a fala original do Dr. Romano no site do
Instituto Millenium, o mundo aguarda ansioso as fontes empíricas de tão
bombástica revelação.
No fim de tudo, na última palestra, o deputado Antonio Pallocci
veio confraternizar com aqueles que malharam sem dó seu partido e o
governo que integrou até há poucos anos. Para agradar, também criticou
o PNDH, no que foi cumprimentado ao final.
Tendências não democráticas
O Fórum do Instituto Millenium, apesar de seu tom folclórico, não é
engraçado. Embora seja um direito democrático a organização de toda e
qualquer facção política, é forçoso reconhecer que estas nada têm de
democráticas ou plurais. Buscam se articular justamente para evitar
reformas democratizantes no país e no setor de comunicação. Um ponto
positivo é dado pela seguinte constatação: os monopólios de mídia se
desgastaram com o boicote à Confecom. O tema da democratização da
comunicação entrou na agenda nacional com força. O seminário é uma
gritaria da direita. Sem problemas. O duro é buscarem afirmar seus
interesses contra a vontade e as necessidades da maioria da população.
Agradecimento
Este obscuro jornalista agradece sinceramente ao Dr. Roberto Romano pela menção ao texto “Instituto Millenium: toda a democracia que o dinheiro pode comprar!”,
feita no calor de suas vibrantes intervenções. Apesar de ele ter
recomendado às pessoas taparem o nariz para lê-lo, só posso ficar
envaidecido com tão ilustre recomendação.
Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em
História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela
que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez”
(Editora Fundação Perseu Abramo).
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