Mas, afinal, Maju Coutinho em horário nobre é ou não é bom?
Vocês sabem o que é uma situação poliedral?
Primeiro, o que seria um poliedro? Segundo a Wiki:
“Em geometria elementar, o poliedro (poliedros ou poliedros plurais) é um sólido em três dimensões (eixo dos 'X', 'Y', 'Z',…) com faces poligonais planas, bordas retas (arestas) e cantos ou vértices acentuados. A palavra poliedro vem do grego clássico πολύεδρον, o poly- (tronco de πολύς, 'muitas') + -hedra (forma de ἕδρα, 'faces'). Cubos e pirâmide são exemplos de poliedros.”
Enquanto figura de linguagem, situação poliedral significa uma situação que tem muitos lados.
A Maju agora é âncora de um dos principais jornais do país, a primeira negra nesse posto, e a partir daí muita gente ficou dividida.
Houve quem falasse que Maju está lá como uma cortina de fumaça em uma sociedade racista, uma forma de amansar os ânimos militantes que deveriam, então, se contentar com isso. Afinal, “já tem até negra no jornal, querem mais o que?”.
Houve quem lembrasse que, durante todo esse tempo, mulheres negras (profissionais da comunicação ou não) não podiam contar com nenhuma representatividade negra, sendo obrigadas a engolir uma comunicação de massa homogênea e branca. As pessoas brancas cresceram se vendo na TV de diversas formas, enquanto as pessoas negras eram sub-representadas.
Ambos os lados têm sua razão, ambos os lados podem considerar o outro.
Se raciocinar direitinho, todo mundo entende que:
– A Maju é uma pessoa pública em um posto inédito, e é natural que se crie certa expectativa sobre ela e sua postura sobre questões raciais;
– Maju, entretanto, é um indivíduo, um ser humano, e, portanto, não é cabível delegar UNICAMENTE a ela o papel de representante de toda uma raça;
– Maju é uma trabalhadora e, como tal, está fazendo o que era de se esperar: batalhando por sua carreira com as ferramentas que tem;
– Vivemos em uma sociedade onde o racismo é uma estrutura sobre a qual construíram-se as relações sociais. É óbvio que tal estrutura não se permite abalar facilmente e concede, vez ou outra, um agrado para se manter intacta;
– Estrutura, no entanto, é feita de indivíduos;
– Para mulheres da comunicação, em especial as que, assim como eu, já tem mais de década de estrada, ter uma comunicóloga negra em um local de visibilidade tão grande, é sim um avanço e tanto. Considerando que a comunicação é uma ciência social e, portanto, pertencente à cultura social, profissionais negros dessa área são de suma importância para a construção de uma sociedade mais igual (para não dizer uma sociedade menos criminosa);
– Representatividade tem seus poréns. Não basta essa ou aquela identificação. Representatividade é um conceito social, um marco que pode representar uma mudança;
– Agradar ao próprio ego não é representatividade, é conforto;
Muito diferente de situações onde, na minha humilde opinião, representatividade nada mais é que um agrado pobre de uma indústria cultural nociva (exemplos: globeleza e concursos de beleza), – os quais eu acho que seriam muito mais benéficos se fossem extintos – o jornalismo carece, sim, de representatividade (popular, negra, LGBT, com deficiência, etc). Essa mescla de opiniões e visões traria muito mais riqueza cultural à nossa sociedade do que uma mídia pasteurizada, que é o que temos, mesmo apesar de meia dúzia de jornalistas.
Já falei aqui incontáveis vezes que o papel das comunicações – Jornalismo, Relações Públicas, Rádio, Cinema, etc – é o de educador social. Nós temos uma responsabilidade imensa perante a população. E, nesse sentido, é salutar manter alguma desconfiança perante o conceito higienizado de representatividade.
Em resumo: dá pra vibrar o sucesso da Maju e entender os benefícios que isso trará para a auto-imagem da população negra e dá pra manter o senso crítico afiado e questionar qual é o limite dessa representatividade e qual parcela da população ela atinge.
Não sejam hostis com quem não enxerga isso com olhos tão positivos. A população negra brasileira também não é homogênea. Há alguns (poucos) negros de classe média para um mar de pessoas que ainda está no que comumente foi chamado de base da pirâmide – e a solução pra isso definitivamente não é a falácia do Black Money, que sobrevive de um canibalismo psicológico, se alimentando da baixa autoestima da própria população e mendigando espaço em um conceito econômico criado com especificidades bem marcadas.
Reprodução
A Maju Coutinho é a primeira âncora negra do Jornal Nacional