Depois de dois mil anos sendo a potência dominante no leste da Ásia, em 1850 a China caiu sob o domínio do Japão apoiado pelo Ocidente. Desde então, o país e seus governos têm se dedicado a assimilar os novos tempos e crescer internamente. Hoje, o gigante asiático pode olhar para os países mais poderosos do planeta como iguais e disputar a hegemonia mundial com os Estados Unidos.
Com a morte de Mao Tsé-Tung (1976), Deng Xiaoping assumiu a Presidência e, nos 10 anos que teve de governar, fez reformas que deixaram para trás a Revolução Cultural e transformaram a China na “fábrica do mundo”, com políticas públicas de industrialização e produção em massa para o mercado internacional. Ao mesmo tempo, aproveitando a ganância de poderosas corporações transnacionais, ávidas por maiores taxas de lucro, o país aproveitou a entrada de capital e tecnologia do Ocidente.
A ascensão da China na economia e no comércio mundial foi de tal magnitude que, quando o Ocidente a corrigiu, era tarde demais para detê-la. Segundo os dados disponíveis, em 2000 a China já era a sexta potência mundial no campo econômico, atrás dos Estados Unidos, Japão, Alemanha, Grã-Bretanha e França, considerados os países mais ricos do planeta. Hoje, é a segunda potência econômica mundial, com um PIB equivalente a 60% do dos Estados Unidos (em 2000 mal representava 12%) e 2,5 vezes o do Japão.
Terminada a etapa comandada por Hu Jintao (2002-2012), a República Popular da China decidiu entregar todo o poder a Xi Jinping que, em 2013, apresentou sua estratégia para recuperar para a China o seu status de “centro natural do mundo”. Diferentes especialistas preveem que a superação dos Estados Unidos por parte da China é inexorável e uma análise dos PIBs de ambos os países mostra isso: nos últimos anos, enquanto o país asiático cresce a taxas acima de 5% em média, os norte-americanos mal conseguem alcançar os 2%.
Entretanto, o caminho até essa nova supremacia não será tranquilo, já que os Estados Unidos se encarregarão de colocar barreiras e dificuldades.
Como tem acontecido nos últimos 20 anos e, sobretudo, após a crise do sistema capitalista mundial em 2008, os Estados Unidos farão o que for preciso para torpedear os objetivos chineses. Para isso, será necessário implodir tudo o que é funcional aos interesses de Pequim a nível mundial, sobretudo em matéria econômica.
Ou seja, se o comércio mundial foi o veículo para se posicionar globalmente, as cadeias de suprimentos de importação/exposição da China para o mundo terão que ser cortadas. E isso só é possível se houver uma recessão na economia mundial.
A estratégia dos Estados Unidos contra a China
A China, em seu último Plano Quinquenal (2021-2025), disse que seria a principal potência econômica mundial em 2030, se as condições atuais continuarem. É justamente o que os Estados Unidos estão dispostos a impedir, não importa se suas medidas prejudiquem todos os cidadãos do mundo.
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Diferentes especialistas preveem que a superação dos Estados Unidos por parte da China é inexorável
Mas, o que fará o velho e decadente Tio Sam? Continuará a aplicar a sua política monetária destinada a esfriar a economia mundial, usando a taxa de juros referencial como sua principal ferramenta, para afetar a economia chinesa por tabela.
Como assim? Muito simples, como todos estamos vendo, a Reserva Federal (FED) está manipulando as taxas com o álibi de controlar a inflação nos Estados Unidos. Isso não condiz com a realidade, já que a inflação que esse país tem é uma das mais altas entre as nações desenvolvidas, portanto, subir ou baixar as taxas para evitar uma escalada inflacionária não tem sentido. Porém, essa medida tem um impacto severo na economia mundial.
Como todos os Bancos Centrais do mundo ocidental estão dando passos na mesma direção que o FED norte-americano, o que eles estão fazendo é dar alcance planetário à estratégia de transformar a taxa em uma arma de guerra geopolítica que, entre outras coisas, levará a uma queda do consumo global, a redução da oferta monetária e o aumento do custo do dinheiro para fins de investimento.
Dessa forma, os Estados Unidos não apenas esfriam a economia mundial, mas reduzem drasticamente o mercado mundial para a “fábrica chinesa”, pois haverá menos compradores e será mais caro o acesso ao crédito. Sem dúvida, este é um duro golpe para a expansão chinesa, mas também é um duro golpe para a economia mundial, que terá um aumento colossal do desemprego, maior redução da renda e diminuição da demanda em todos os estratos sociais.
Portanto, se cria um cenário de recessão mundial induzida, em nome da estabilidade financeira e do combate à inflação. Não é por acaso que os organismos multilaterais nos repetem que o PIB mundial crescerá apenas 2%, insuficiente para qualquer nível de desenvolvimento. O Fundo Monetário Internacional (FMI) aplaude o FED e os bancos centrais de todo o planeta, expondo que carece da autonomia que reivindica publicamente, e que responde aos interesses do maior parceiro que são os Estados Unidos.
O aumento das taxas nos Estados Unidos é previsível e atingirá sua economia, que já vem em recessão técnica desde o quarto trimestre de 2022, e que deverá continuar assim até o primeiro trimestre de 2024, segundo previsão do próprio FED. De acordo com estimativas moderadas, está estabelecido que, em 2023, as políticas monetárias norte-americanas gerarão perdas de mais de US$ 360 bilhões, devido à queda na receita em dezenas de países. Da mesma forma, se continuarem sendo implementadas políticas monetárias recessivas, haverá precipitação das crises de dívida, e consequências na alimentação, saúde e emprego em vários países.
Os danos causados pelas medidas de política monetária, segundo informe de 2022 da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, não impactarão apenas o crescimento chinês, mas terão efeitos devastadores nas economias menos desenvolvidas. A dimensão desses danos tende a ser maior que os causados pela crise de 2008 e pela pandemia, em 2020. Para piorar a situação, quando o investimento é esquivo para os países mais pobres, os países em desenvolvimento acabam, em consequência, financiando os países desenvolvidos, especialmente aqueles que perderam mais de 10% de seu valor em relação ao dólar.
A esta altura, está claro que a guerra geopolítica em que se encontram China e Estados Unidos está sendo financiada por todos os povos do mundo, que não têm acesso às cordas do poder econômico e financeiro, pois estes continuam nas mãos de Washington e seus aliados.
(*) Nilo Meza é economista e cientista político peruano.
(*) Tradução Victor Farinelli.