A revalorização do sol peruano, em simultâneo à desvalorização do dólar norte-americano, desencadeou o entusiasmo dos responsáveis pela defesa do neoliberalismo no Peru, entre eles a presidente Dina Boluarte.
Os dados parecem provar que eles estão certos, mas é melhor contextualizar. No período entre fevereiro 2017 e janeiro de 2020, o sol manteve uma taxa de câmbio relativamente estável que rondava mais ou menos os 3,38 soles por cada dólar. A partir daí, a desvalorização do sol não parou até atingir 4,13 soles por dólar em outubro de 2021. Só então veio a fase de recuperação, que o levou ao patamar de 3,68 soles por dólar em maio de 2023.
Em Lima, os lobos uivaram! O país ainda não recuperou o câmbio que tinha em 2017, mas quando se trata de manipular a opinião pública em prol de um “governo eficiente”, não há limites para a mentira amplificada.
Se a tendência de “revalorização” continuar, o discurso triunfalista pode continuar, mas isso não depende do governo peruano, muito menos do seu Banco Central, pois existem fatores na dinâmica monetária que determinam a taxa de câmbio, em diferentes graus, formas e momentos. Um desses fatores, talvez o principal, é a escassez ou abundância do dólar na economia, o que, por sua vez, depende de muitos outros elementos que acabam impactando o câmbio.
Por exemplo, a fuga de capitais, fenômeno que ocorre no Peru desde 2020, exercerá pressão em favor de uma valorização do dólar. O mesmo acontecerá se os Estados Unidos continuarem a aumentar sua taxa de referência. Assim, o entusiasmo dos neoliberais peruanos não tem verdadeiro respaldo na realidade. O que eles dirão quando, dentro de pouco tempo, o país estiver novamente na fronteira dos quatro soles por dólar?
O exposto, porém, é apenas a ponta do iceberg que tenta esconder algo gravíssimo e lapidário do “exemplo” neoliberal. Desta vez, trataremos dos principais indicadores que mostram o “sucesso” do neoliberalismo no Peru.
Pobreza
De acordo com um relatório recente do Banco Mundial, de abril de 2023, sete em cada 10 peruanos são pobres ou estão prestes a cair nessa situação. Nesse universo, o Instituto Nacional de Estatísticas e Informática do Peru (INEI), em informe de maio de 2023, estabeleceu que 9,18 milhões de peruanos, cerca de 28% da população, estão em situação de pobreza monetária, o que significa que recebem menos de US$ 100 ao mês.
Ou seja, não podem comprar nem mesmo sua cesta básica de subsistência. O “milagre” peruano, com exuberantes números macroeconômicos ao longo de 20 anos, não serviu para mudar esses indicadores. Pelo contrário, fortaleceu o domínio de monopólios e oligopólios na indústria estratégica do país.
Desigualdade
Um estudo sobre a desigualdade no planeta realizado em 2022 pelo World Inequality Lab mostrou que o Peru é o quarto país mais desigual do mundo. Cerca de 1% dos mais ricos do país estaria concentrando 30% da renda total. Informes como esse levaram o Fundo Monetário Internacional (FMI) a defender a cobrança de mais impostos aos mais ricos do planeta.
Em alguns países isso já está sendo feito, mas no Peru, devido à Constituição defendida por indivíduos como o economista Waldo Mendoza (ministro da Economia do Peru entre novembro de 2020 e julho de 2021), eles não são tocados nem com uma pétala de rosa. A pobreza e a desigualdade não são apenas questões econômicas, mas também ética e moral, e também política.
Fragilidade institucional
Nenhuma outra nação tem o privilégio que alcançou o Peru, de ter seis presidentes em apenas cinco anos, todos eles presos ou julgados por corrupção e outros crimes. Golpes e contragolpes, sempre com ares “institucionais”, tornaram-se parte da “normalidade” política do país. O último golpe ocorreu quando Pedro Castillo quis impedir sua destituição e não sabia como fazê-lo.
Tentou dissolver o Congresso, mas o Legislativo, que apesar de sofrer com 92% de rejeição da cidadania, sabia como contra-atacar de forma eficiente.
The Logistic World
Economia do Peru deve crescer no máximo 1,6% em 2023, apesar de defensores do modelo insistirem em dizer que o país vai crescer muito mais
Está em curso uma obsessiva concentração de poder nas mãos do Congresso controlado por uma coalizão ultraconservadora. Todas as instituições que, em tese, deveriam ser a garantia do equilíbrio de poderes em uma democracia, passaram a ser submetidas a essa coalizão. Desde a Corte Constitucional, passando pelo Poder Executivo, Poder Judiciário, Ministério Público, Ouvidoria, todos estão sob às ordens do grupo que controla todo a partir do Congresso. Falta apenas tomar o controle dos órgãos eleitorais, para concluir definitivamente o golpe ditatorial.
Enquanto isso, com o poder já adquirido, se estabelecem novas travas burocráticas, realizam-se processos de contrarreforma e abrem-se caminhos para mais e mais evasão de impostos, levando o país a perder enorme quantidade de recursos, sem falar no 14 bilhões de soles envolvidos em esquemas de corrupção.
A governabilidade no Peru só é possível compactuando com os poderes fáticos. A ausência de partidos políticos e lideranças é outro “grande resultado” do modelo.
Inflação
Apesar do aumento da taxa de juros para 7,55%, a inflação no Peru em maio foi de 8,4%, longe do objetivo de 3% definido pelo Banco Central. Esse fato, obviamente, afetou os mais pobres, já os ricos não param de lucrar.
Os neoliberais peruanos dizem que a inflação, juntamente com as manifestações populares, são uma das razões pelas quais o investimento privado está em declínio, mas todo economista sabe perfeitamente que a decisão de investir tem como principal argumento a taxa de lucro esperada, a mesma taxa que foi afetada pela pandemia e pela busca de novos mercados.
Se levarmos em conta o que o Brasil tem uma taxa de juros de 13,75% e reduziu sua inflação a 5,6%, a menor da América Latina, pode-se concluir que o país andino não está no caminho correto.
Fuga de capitais
Se o Peru fosse a economia “exemplo” da América Latina, não teria um enorme aumento da fuga de capitais nos últimos anos. Em 2021, segundo o Banco Central, foi registrada uma evasão de cerca de USD 17 bilhões, patamar sem precedentes nos últimos 50 anos.
Embora o valor tenha caído em 2022 para USD 8,7 bilhões, tudo indica que esse fluxo continuará sendo intenso em 2023, pois somente no primeiro trimestre já se observou a perda de mais USD 4 bilhões.
Segundo os defensores do modelo, tudo isso ocorre devido aos conflitos sociais. Na verdade, esse pode ser um dos fatores, mas não é o mais determinante. A principal responsável é a errática política econômica do governo de Boluarte, que gera incertezas e que não inspira nenhuma confiança, pulverizando “expectativas empresariais”.
PIB
Segundo o INEI, no primeiro trimestre de 2023, o PIB peruano teve uma contração de 0,4% em relação ao mesmo período do ano passado, devido à redução da demanda interna [leia-se: redução do poder de compra da população] e à redução da exportação de bens e serviços.
Para o Banco Central peruano, a queda do PIB deve-se à forte diminuição do investimento privado, em até 8,5%, devido aos “conflitos sociais”. Isso é uma meia verdade, porque o “investimento privado”, mitificado pelo discurso empresarial já havia começado a cair de forma estrutural durante a pandemia, até mesmo antes dela, e não por motivos conjunturais e sim porque os megaprojetos de mineração no país deixaram de ter taxas de lucro “atraentes o suficiente” para que eles pudessem continuar.
Em 2023, espera-se um crescimento magro, de no máximo 1,6%, apesar de os defensores do modelo insistirem em dizer que o país vai crescer muito mais.