Rosalino Flores Valverde, era um jovem de 22 anos que nasceu e viveu em Cusco, onde também estudou gastronomia, com a esperança de ser um dos divulgadores da culinária peruana. Seu sonho e sua vida foram interrompidos quando, após 70 dias de agonia em hospitais de sua cidade natal e de Lima, ele morreu no dia 21 de março de 2023.
As 30 balas de metal que recebeu em seu corpo no dia 11 de janeiro de 2023, disparadas por um policial que cumpria as ordens da presidente Dina Boluarte, acabaram com a vida de Rosalino. Ele protestou em nome do clamor do seu povo, e morreu tornando-se um dos heróis da luta pela democracia no Peru.
Os tiros que vitimaram Rosalino não tiveram razão aparente ou subjacente. Ele foi alvejado pelas costas e à queima-roupa, como mostram as imagens e vídeos da própria Polícia Nacional peruana.
Como milhares de jovens fizeram naquele 11 de janeiro, Rosalino participou da mobilização de protesto e repúdio ao regime civil-militar liderado por Boluarte. Foi um ato pacífico, onde os participantes tentaram se manter em permanente estado de fuga das agressões policiais.
As cenas em vídeo demonstram que o jovem tentou contribuir com a tarefa coletiva de apoiar aqueles que, devido às bombas de gás lacrimogéneo e aos espancamentos da polícia, perdiam a visão ou necessitavam de algum tipo de apoio físico. Para isso, ele “se escondeu” atrás de uma árvore. Ou seja, ele nem estava na “turma liderada por terroristas”, como argumentam a presidente e outros membros do governo e da mídia hegemônica, mas sim se colocou em um local estratégico onde buscava fugir da mira da polícia e se colocar à disposição de quem eventualmente solicitasse seu apoio.
Foi então que apareceu um policial e começou a atirar em Rosalino que, sem sucesso, tentou correr para salvar sua vida. Essa selvagem ação policial vista por dezenas de testemunhas atônitas e apavoradas também possui registros em vídeo, os quais deveriam ajudar a identificar o policial que agiu de forma criminosa.
A morte desse menino se soma a uma lista que já tem 70 nomes de pessoas assassinadas na luta contra a ditadura civil-militar. Para o povo, não é apenas mais um número, e sim mais um símbolo da luta pela democracia e pelos direitos humanos.
O caso de Rosalino não pode ficar impune. Não há dúvidas sobre a natureza do crime cometido: lesa a humanidade, qualquer que seja o ponto de vista escolhido.
Reprodução/Twitter JAIME HERRERA
Morte de Rosalino Flores se soma a lista que já tem 70 nomes de pessoas assassinadas na luta contra ditadura civil-militar
Segundo a Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos do Peru (CNDDHH), com a morte de Rosalino, “são 49 civis executados extrajudicialmente por agentes da lei durante o regime de Dina Boluarte”. Além deles, há outras 21 mortes ocorridas no contexto das mobilizações e ações repressivas, totalizando 70 vítimas.
Até agora, o governo não identificou nenhum responsável, apesar da abundância de provas materiais, incluindo fotos e vídeos. Além disso, o Executivo continua repetindo a falácia de que os 70 mortos são resultado de “protestos liderados por terroristas”, ou “financiados pelo narcotráfico”, ou, no extremo do ridículo, afirmando que os Ponchos Vermelhos da Bolívia [coletivo indígena que apoiou Evo Morales e apoia o atual governo de Luis Arce] estão no Sul do Peru articulando os grupos de manifestantes.
Os argumentos governistas são amplificados pela chamada “grande imprensa”, que faz de tudo para ocultar as mortes, ou para justificar assassinatos como o de Rosalino, quando não podem mais escondê-los. Tentam envolver o jovem em algum tipo de acusação de “terrorismo” e eventualmente vão “provar” que ele tinha alguma relação que poderá ser usada na defesa do policial que o matou, e também na do próprio regime de Boluarte.
“Queremos justiça, queremos saber quem é o policial que atirou”, disse a mãe de Rosalino em uma entrevista, e acrescentou que a família não quer nenhum tipo de compensação financeira, apenas punir o culpado, sem esquecer de apontar que “a responsável política pela morte de meu filho é a presidente Boluarte”.
Os direitos humanos perderam a vigência no Peru. Em um contexto em que os massacres ocorridos nas cidades de Puno, Juliaca, Ayacucho e Macusani são lembrados com dor e horror, o mínimo que se espera no caso Rosalino é que a promotoria ordene a prisão do policial que disparou contra o jovem e do seu superior, o comandante da operação.
Além disso, deveria pedir a prisão preventiva de Alberto Otárola, chefe do Conselho de Ministros, e da própria presidente Boluarte, ambos politicamente responsáveis pela morte de Rosalino e dos outros 49 peruanos vítimas da criminosa política de repressão e execuções extrajudiciais. Mas, do jeito que as coisas vão, não se pode contar com isso.
Esta nota está sendo escrita em uma noite de quinta-feira (23/03), enquanto a população de Cusco lota sua histórica Praça de Armas para prestar uma bela homenagem a Rosalino, e dizer ao governo que “o sangue derramado jamais será esquecido”. Na mesma noite, uma multidão desafiou a presença militar no aeroporto e foi até lá para acompanhar a chegada do corpo que viajou desde Lima, e recebê-lo como herói.