Se compararmos a atual crise migratória na fronteira entre Peru e Chile, que envolve cerca de 300 cidadãos, com as dos migrantes sírios que vão à Europa, mais de 13 milhões de pessoas em busca de refúgio e uma oportunidade, ou a dos venezuelanos, quase sete milhões na mesma situação, poderíamos deduzir que estamos diante de um problema que, por suas dimensões, deveria ter uma solução mais fácil.
Lamentavelmente, essa resolução esbarra em problemas de ordem político como os da nefasta ação do Grupo de Lima que, sob ordens do Departamento de Estado norte-americano, se dedicou a atacar o governo de Nicolás Maduro em favor de um então presidente ridiculamente autoproclamando, Juan Guaidó. Entre as medidas adotadas naquela ocasião estão a realizada pelo ex-presidente peruano Pedro Pablo Kuscynski (2016-2018), que anunciou a “abertura das fronteiras aos irmãos venezuelanos” que passaram a entrar no Peru sem nenhum controle.
Agora, o governo Maduro oferece ao Peru e Chile o envio de um avião para levar de volta os venezuelanos que queiram voltar à sua terra natal, mas essa possibilidade enfrenta a ameaça de que essa aeronave seja apreendida por ordem do governo dos Estados Unidos. Parece absurdo e desumano? Sim, mas é o que está ocorrendo em nossa América Latina.
Os dois voos oferecidos pelo governo venezuelano poderiam resolver grande parte do problema, caso tivesse a garantia de que não será capturada. Quase 70% de pessoas barradas na fronteira entre Peru e Chile são venezuelanas, segundo os informes oficiais. Quase todos querem voltar à Venezuela porque “em todos os países a situação é igualmente crítica para os pobres e marginalizados”, até agora, cerca de 170 já se inscreveram para aproveitar a oferta de voltar para Venezuela.
O que chama a atenção é o fato de que os governos do Peru e Chile estão mostrando uma incompetência sem precedentes para resolver um problema que, dadas as suas dimensões, deveria se resolver de forma imediata.
É um drama desumano manter na intempérie cerca de 300 pessoas, grupo que inclui crianças e idosos, literalmente amontoados em barracas que não os protege do frio, calor e dos ventos desse deserto inóspito.
O problema migratório no Peru
Segundo fontes oficiais, existem atualmente 1,1 milhão de venezuelanos registrados no Peru, dos quais cerca de 400 mil entraram no país de forma ilegal e se mantêm nessa situação. A maioria, 75% deles, estão concentrados em Lima.
O que faz com que as pessoas se movam tão desesperadamente, provocando “crises migratórias”? A resposta é: a fome, o desemprego, a marginalização e as guerras geradas e promovidas pelo sistema capitalista mundial como “saída” para a crise de sustentabilidade no planeta.
Peru e Chile não são alheios a isso, muito menos a Venezuela que, ademais, sofre com as criminosas sanções do imperialismo norte-americano.
Neste marco, aparecem expressões sórdidas de congressistas que seguem com o discurso de associar os migrantes, legais ou ilegais, à criminalidade no país, sem nenhuma prova para sustentar essa impressão. Chegou-se ao extremo de fazer apologia ao uso de armas letais contra migrantes que tentam cruzar a fronteira de maneira ilegal.
O exponente dessa tese é o congressista Rodrigo Montoya, ex-militar conhecido por suas frequentes expressões fascistas.
Agência Andina
Imigrantes venezuelanos que vivem no Peru enfrentam discurso de ódio disseminado pela direita do país
Outra vez, Dina Boluarte em seu labirinto
Dina Boluarte não só está resignada aos afazeres quase domésticos do Palácio de governo, quando não se dedica a ler, quase sem compreender, os discursos e narrativas que os “notáveis” servidores do poder fáctico escrevem para ela, e que não se omitem com relação às decisões filo fascistas assinadas pelo Executivo.
Para o caso da crise migratória, a “solução” foi o decreto que instalou o estado de emergência por 60 dias em todas as províncias e distritos que possuem zonas de fronteiras internacionais: Tumbes, Piura, Cajamarca, Amazonas, Loreto, Madre de Dios e Tacna. Junto com isso, está o regime de exceção imposto à região de Puno.
Com esta medida, ficam restritos os direitos à livre circulação pelo território nacional e os de reunião e segurança. Ademais, as fronteiras nacionais passaram a ter efetivos da Polícia Nacional e das Forças Armadas, em ação combinada para “evitar migrações ilegais”.
O que dá a medida da norma que é aplicada é a “alta criminalidade no Peru associada à migração ilegal”, sem nenhum respaldo em dados específico e sim na propaganda anti-Maduro, que transforma os venezuelanos que vivem no país em delinquentes ou potenciais delinquentes.
Diante disso, Boluarte reitera, com patética ignorância, que dessa forma se “preservará a ordem interna e os direitos constitucionais”.
Incapacidade punível de governos
Esta é uma crise humanitária, não há como negar. Não apresenta atos de violência ou abusos como os vistos em processos migratórios em outros continentes. Essas pessoas só querem voltar para casa, e os governos do Peru e Chile deveriam agir coordenadamente, com responsabilidade.
O governo peruano enche a boca dizendo que deve implementar uma “ajuda humanitária”, mas não faz absolutamente nada há quase 20 dias, quando começaram a chegar os venezuelanos, haitianos, colombianos e equatorianos à fronteira com o Chile, dizendo que queriam voltar aos seus países.
Boluarte não entende o problema e apela à violência contra os migrantes ilegais, justificada no discurso do “risco à segurança interna” ou em ameaças de apelar a “soluções militares”.
O governo peruano não entende que não há força policial nem militar capaz de evitar o movimento de seres humanos pelo mundo, muito menos em tempos em que o neoliberalismo precariza o trabalho e alimenta ilusões de que “em outro país” poderiam ter melhor sorte. O drama de mulheres e crianças é insultante para qualquer ser humano, assim como o de idosos.
Os governos de Peru e Chile não podem mais se omitir e precisam atuar de maneira rápida e eficaz para resolver a crise.
Superar as travas burocráticas e diplomáticas é urgente. A atitude da chanceler peruana Cecília Gervasi, de reproduzir o discurso discriminatório da extrema direita, está carregada de insensibilidade e ineficiência do ponto de vista diplomático.
A diplomacia do Peru já não é mais a que foi há uma década. Os que lideram as relações exteriores do país atualmente têm desprestigiado o histórico Torre Tagle [o Itamaraty peruano], dilapidando uma fama merecida, conquistada em tempos passados, de modelo regional a ser seguido.