Há um medo crescente alimentado, em grande parte, pelas elites
conservadoras do Ocidente e do Oriente de que futuros acontecimentos no
Egito poderão trilhar os mesmos caminhos da revolução que aconteceu no
Irã em 1979 tais como: elegeu Israel como o grande inimigo, se envolveu
em ações antiamericanas no mundo inteiro, privou as mulheres e as
minorias dos seus direitos (como se tivessem direitos sob a ditadura de
Mubarak). Numa região repleta de exemplo de ações armadas que atemorizam
Israel, EUA e aliados ajudou a criar a imagem de que a melhor forma de
combater ativistas islâmicos (falsos ou verdadeiros) é uma ditadura
secular.
No entanto é importante lembrar que, logo no início da
revolução iraniana em 1979, havia intenso apoio das potências
capitalistas aos movimentos radicais islâmicos em todo o grande Oriente
Médio e Ásia Central com o intuito de provocar aquilo que se
convencionou chamar “arco de crise”. O objetivo maior, claro, era
atingir as regiões muçulmanas da União Soviética, um regime materialista
e ateu, de “vital importância para os EUA cujo centro de gravidade é o
Irã” como afirmou à época Zbigniew Brzezinski (assessor segurança
nacional do presidente Carter). O caos político resultante poderia
facilitar a incorporação do american way of life nos inimigos de seus
inimigos.
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De maneira análoga, pode-se dizer que, 32 anos depois,
as revoltas populares na Tunísia, no Egito, Argélia e Iêmen podem ser os
sinais iniciais de um novo “arco de crise”, mas agora de autênticas
revoluções que poderão varrer o Grande Oriente Médio. Diante de tais
fatos, tal como todos outros governos norte-americanos anteriores,
Obama, inicialmente preferiu ficar ao lado de seu “aliado leal” contra
um movimento que levou a fundo a retórica dos direitos humanos presente
em seu discurso no Cairo em 2009. Diga-se, é verdade, que esses momentos
revelam a essência da decisão na política externa dos EUA que vai muito
além da órbita do presidente da república. Apesar da celebração ritual
da sociedade civil, autoridades dos EUA (militares, agências de
inteligência e lobbies no congresso) sempre mantiveram fortes ligações
com regimes repressivos e nunca mantiveram qualquer tipo de contato com
os principais grupos oposicionistas.
Não há como negar que a
religião é um fundamento essencial de identidade dos povos e um
componente crucial da dinâmica de desenvolvimento das sociedades, em
geral, e do mundo islâmico de forma particular. Contudo, tal como
observou o professor Mark Levin, as fotos estampadas na grande mídia dos
EUA podem ajudar-nos a entender melhor as diferenças entre os dois
momentos revolucionários.
No início de 1979 as imagens dos jovens
eram de exuberância revolucionária, aliadas a um sentimento raiva,
supostamente alimentada por um fervor religioso, isso soou tão estranho
para um cidadão norte-americano que parecia vir de um outro planeta. Já
as fotos da praça Tahrir mostram mulheres e jovens, seculares e
religiosos, curvando-se em orações diante dos blindados militares. Uma
espécie jihad pacífica que sempre existiu, mas que não tinha os
holofotes da mídia para mostrá-la.
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Com criatividade e ousadia e
mesmo diante das inúmeras provocações e assassinatos mantiveram-se
determinados a não usar a violência. Suas táticas foram amplas
mobilizações, aproximação com as forças armadas, paralisações de
trabalhadores e uso das redes sociais que permitiu que o mundo inteiro
fosse capaz de seguir suas batalhas em tempo real. Já a determinação em
reprimir e, sobretudo, o desprezo pela forma pacífica e democrática de
expressar opiniões, era evidente no início da Revolução Iraniana de 1979
onde vários grupos que defendiam a liberdade de imprensa e os direitos
das minorias foram coagidos por verdadeiras gangues armadas.
No
Egito, não há nenhuma figura carismática de estatura do aiatolá
Khomeini. Ao contrário do clero xiita no Irã, a Irmandade Muçulmana não
tem uma base em uma organização clerical. Apesar de contar com setores
conservadores, não estão envolvidos em debates sobre o uso do véu ou de
outros comportamentos religiosos, mas sim em questões envolvendo
corrupção, desemprego, liberdade política e violações dos direitos
humanos. Nesse sentido, diferentemente do Irã a possibilidade de
mobilizar a maioria dos egípcios em torno de uma agenda de reformas é
maior.
Observar o que vai acontecer no Egito nas próximas semanas
é como assistir um teatro das sombras em que apenas alguns dos atores
estão sob um foco de luz e outros vão saindo aos poucos. Entretanto,
podemos antecipar e destacar que islâmico ou secular, o novo governo
poderá – espero que sim – recusar a adotar incondicionalmente os
métodos adotados pelos EUA e a Europa na guerra contra o terror sem que
isso signifique ser partidário de Bin Laden. Por sua vez, não afrontar
Israel não significa, por outro lado, necessariamente qualquer tipo de
concordância com a política de ocupação dos territórios palestinos. E,
finalmente, um novo governo poderá também questionar se para manter a
tão aclamada estabilidade política na região é necessário gastar bilhões
de dólares em equipamentos militares.
De toda forma restar ver
como os militares e as elites dirigentes que agora comandam a transição
vão descobrir uma maneira de conviver com este novo cenário. Nesses
momentos cruciais sempre é bom lembrar alguém que entendia de revoluções
(Marx) que certa feita fez a seguinte advertência: “As criadas
políticas da França estão varrendo a lava ardente da revolução com
vassouras velhas, e discutem entre si enquanto executam sua tarefa”.
*Reginaldo Nasser é professor de Relações Internacionais da PUC-SP. Artigo publicado originalmente no site Carta Maior.
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