Paul Kagame é presidente de Ruanda desde 2000. Da etnia tutsi, o presidente é marca viva do terrível genocídio vivido por Ruanda em 1994, tendo sido obrigado ele mesmo a migrar de Ruanda para Uganda em busca de refúgio contra a fúria dos hutus, que vitimou mais de 800 mil pessoas no país.
Figura popular entre todos aqueles que defendem uma visão pan-africanista do continente, suas duras respostas anti-imperialistas aos arrogantes jornalistas ocidentais fizeram dele um personagem importante do orgulho africano nos últimos anos. O dia 8 de abril marcou o início das comemorações pela memória daquele que foi o maior genocídio do século XX no continente africano, e Kagame acendeu a chama da lembrança na capital de Ruanda, Kigali, em frente a mais de 5 mil convidados, incluíndo 30 chefes de Estado e de governo.
As festividades têm previsão de durar 100 dias, mesmo número de dias que durou o genocídio tutsi. Enquanto o presidente da Comissão da União Africana, o chadiano Moussa Faki Mahamat, alegou que “ninguém, nem sequer a União Africana, podem ficar isentas de responsabilidade pela sua inércia”, o presidente ruandês, Paul Kagame, fez a pesada afirmação de que “a comunidade internacional nos traiu, seja por desprezo ou covardia”.
No entanto, evidências apontam seu envolvimento no atual genocídio no leste da República Democrática do Congo. Lá, mais de 100 grupos armados lutam pelo controle de valiosos metais como o cobalto e o ouro, num conflito duradouro que já obrigou mais de 7 milhões de pessoas a migrarem para campos de refugiados, para a região central do país ou para países vizinhos. Um desses grupos armados, o M23 (Movimento 23 de Março) é indiscutivelmente a ameaça mais significativa à soberania do Congo, não só devido aos seus “supostos” laços com Ruanda, mas também porque tem o maior número de tropas e está fortemente armado e financiado.
Fontes da Força Regional da Comunidade da África Oriental (EACRF), uma força multinacional destacada na República Democrática do Congo (RDC) em novembro de 2022 para ajudar a restaurar a paz e a estabilidade na parte oriental do país, afirmam que membros presos do M23 confirmaram a presença de forças militares de Ruanda entre os combatentes do grupo armado. Além disso, testemunhas oculares confirmaram essa identificação através de equipamento militar, fardas e linguagens características. Em agosto de 2023, filmagens aéreas de drones captaram soldados com fardas e armas típicas do exército ruandês marchando nas regiões de Rutshuru e Nyiragongo, e a inteligência francesa confirmou ter encontrado um sistema móvel de mísseis terra-ar (SAM) WZ551 6×6 IFV, típico da Força de Defesa ruandesa, nas mãos de rebeldes do grupo M23, como registrado pelo jornalista Kazim Abdul no site Military Africa.
Ao mesmo tempo em que essas acusações vieram à tona, Ruanda adquiriu um sistema anti-drones de uma empresa do Alasca, chamada Advanced Protection Systems (APS), talvez para prevenir qualquer vigilância futura de sua atuação no leste da RDC.
Apesar de todas as evidências, Kigali segue negando qualquer envolvimento militar na RDC, assim como afirma um relatório da ONU (S/2023/990). No entanto, em uma recente e rara confissão, o presidente ruandês Paul Kagame admitiu ao menos que Ruanda é o centro de trânsito para minerais contrabandeados da República Democrática do Congo e sugeriu que a comunidade internacional é totalmente cúmplice na fraude da cadeia de abastecimento global. Tais afirmações de fato colocam dúvidas sobre o governo de Kagame, trazendo à tona um lado sombrio que pode apontar para os interesses ocultos de Ruanda e Uganda na desestabilização política do rico leste da República Democrática do Congo, mostrando que o presidente tutsi pode não ser o herói pan-africanista que aparenta.