Anualmente, aproximadamente 2,5 milhões de toneladas de agrotóxicos são usadas no mundo. Já no Brasil o consumo no mesmo período tem sido de cerca de 130 mil toneladas de ingrediente-ativo (i.a.). Nos últimos quarenta anos, houve um aumento no consumo de agrotóxicos de 700%, enquanto a área agrícola aumentou 78%. Em 2021, os 26 países da União Europeia exportaram para todo o mundo quase 2 milhões de toneladas de agrotóxicos, totalizando 14,42 bilhões de euros. Para o Mercosul, foram enviadas mais de 6,84 mil toneladas de agrotóxicos que são proibidos no território europeu. Os agrotóxicos mais vendidos no Brasil são todos proibidos na Europa.
O mercado global de agrotóxicos gera aproximadamente 60 bilhões de dólares por ano. A empresa estatal chinesa Syngenta, as alemãs Bayer e Basf, juntamente com a americana Corteva, a indiana Upl e a americana FMC, controlam cerca de 80% do valor total das vendas de agrotóxicos no mundo e venderam em conjunto mais de 43 bilhões de dólares desses produtos em 2020. Além disso, Bayer, Corteva e Syngenta estão entre as maiores produtoras e exportadoras mundiais de sementes, controlando 80% desse mercado. Isto é, há uma forte concentração das empresas produtoras de agrotóxicos e sementes, ou seja, uma oligopolização do setor, que é controlado por corporações que submetem a agricultura em todo o mundo aos seus mandos e desmandos, desde o preparo da terra para o plantio até a colheita.
No livro “Agrotóxicos e colonialismo químico” a autora Larissa Mies Bombardi, professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), expõe como diversos países latino-americanos (em especial Brasil e Argentina) têm sido os principais clientes de agrotóxicos produzidos pelo Norte Global, mesmo quando diversos desses são proibidos em seus países de origem. Para além desta situação, no mínimo contraditória, outro ponto a ser destacado é o fato de que o Brasil isenta e beneficia tributariamente tais produtos.
Atualmente os agrotóxicos recebem uma redução de 60% da base de cálculo (Convênio ICMS 100/97) do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), são isentos completamente da cobrança de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), devido ao Decreto 6.006/06. Já o O Decreto 5.630/053 isenta da cobrança de PIS/PASEP (Programa de Integração Social/ Programa de Formação do Patrimônio do Servidor) e de COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) sobre os defensivos agropecuários classificados na posição 38.08 da NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul) e suas matérias-primas.
Os incentivos fiscais são um tipo de instrumento econômico do poder público cuja concessão a determinada atividade, produto ou setor econômico visa estimular a produção e gerar, consequentemente, algum retorno para a sociedade. O principal argumento da desoneração dos agrotóxicos está fundado no princípio de que estes são insumos “necessários” para a produção agrícola. Assim, ao diminuir seu custo para o produtor, se estaria aumentando a oferta de alimentos e reduzindo seus preços. Mas qualquer benefício ou incentivo fiscal tem de ser avaliado periodicamente para que se possa entender se está havendo o retorno social desejado.
No caso dos agrotóxicos, um estudo do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu em 2017 que os incentivos fiscais concedidos no país, em muitos casos, não têm acompanhamento de órgãos fiscalizadores que averiguem essa eficácia, além disso, neste mesmo trabalho foi apresentado que a renúncia fiscal dos tributos federais concedidos aos agrotóxicos no período de 2010 a 2017 foi de 8,9 bilhões de reais, relativos à alíquota zero de COFINS e do PIS/PASEP. Certamente estes números devem ter aumentado, principalmente pelo grande número de agrotóxicos que passaram a ser permitidos no Brasil durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Mesmo que haja algum benefício social que ampare essas desonerações fiscais sobre os agrotóxicos, é impossível não fazer uma comparação com toda a cadeia de danos ao meio ambiente e à saúde pública que seu uso provoca. Em média, uma pessoa morre por agrotóxicos a cada 3 dias. Com os atuais níveis de agrotóxicos nos alimentos e na água que consumimos, são urgentes a implementação de medidas para a diminuição de seu consumo, uma vez que a produção agrícola deixou de ser sinônimo de produção de alimentos.
A economia brasileira precisa se reinventar sem o colonialismo químico dos agrotóxicos e sementes da Europa, EUA e China, e isentando e beneficiando a agroecologia, a agricultura indígena, camponesa e a reforma agrária como um caminho para um outro tipo de cultivo, em que o alimento tenha lugar central.
(*) Bianca Valoski é doutoranda no Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas da UFPR, dentro da linha de pesquisa em Economia Política do Estado Nacional e da Governança Global. É servidora da Câmara Municipal de São José dos Pinhais, onde trabalha com finanças públicas.