O primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu sempre se gabou da aptidão do seu exército para enfrentar e eliminar todas as ameaças à “segurança” de Israel.
O exército israelense também contribuiu para a hasbará (narrativa) israelense segundo a qual Tel Aviv seria capaz de enfrentar várias ameaças em diversas frentes, de Gaza à Cisjordânia e do Líbano à Síria.
Mas o ataque do Hamas a diversos alvos em Israel, no sábado, dia 7 de outubro, exatamente às 6:00 da manhã, horário da Palestina, provou de forma humilhante que o primeiro-ministro estava equivocado. Nem Netanyahu nem o seu exército foram de fato capazes de enfrentar um único grupo palestino, operando sozinho e sob cerco.
Será preciso tempo para que tudo isto seja assimilado pelos dirigentes israelenses, pela alta cúpula militar, pelos meios de comunicação e pela sociedade. Por enquanto, Netanyahu está desesperado para mostrar que Israel continua sendo um país poderoso e uma potência regional que merece o status, muitas vezes alardeado, de exército “invencível”.
Mas todas as suas opções são praticamente irrealizáveis.
Era óbvio que o Hamas, e posteriormente a Jihad Islâmica, estavam ansiosos por capturar o maior número possível de israelenses, tanto soldados como colonos.
Fazê-lo significa criar uma nova linha de defesa que limitaria a resposta militar israelense e, eventualmente, forçaria Israel a negociar.
Mas o que a resistência palestina exige de Netanyahu seria um preço muito elevado para que o enfraquecido primeiro-ministro possa pagar.
Declaração após declaração, começando pela do comandante máximo das Brigadas Al-Qassam, Mohammed Deif, seguida pela de Ismail Haniyeh, chefe do gabinete político do Hamas, e depois pela de Ziad al-Nakhla, da Jihad Islâmica, mostraram que as exigências palestinas são claras e precisas: libertar todos os prisioneiros, respeitar a santidade dos locais sagrados palestinos em Jerusalém, acabar com o cerco a Gaza, etc.
Ou então…
Estas exigências, embora devam ser consideradas razoáveis, são quase irrealizáveis para Netanyahu e o seu governo de extrema-direita. Se ele ceder, seu governo entrará rapidamente em colapso, fazendo com que a política israelense entre novamente em parafuso.
Seja como for, esse colapso parece iminente.
O ministro extremista da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, quase desapareceu completamente do cenário político. Este é um acontecimento importante.
De fato, uma das conquistas da resistência em Gaza foi a marginalização desses personagens notórios, que agiam impunemente contra civis palestinos desarmados em Jerusalém, na mesquita de Al-Aqsa, e até mesmo nas muitas prisões de Israel.
Jolanda Flubacher / Fórum Econômico Mundial
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, durante encontro do Fórum Econômico Mundial em Davos, em 2014
Mas uma nova coalizão em Israel complicaria ainda mais a missão de Netanyahu. O governo já declarou estado de guerra e os potenciais novos ministros querem que Netanyahu se comprometa a associar essa declaração de guerra ao fim do Hamas. Para sempre.
Esta é a primeira verdadeira guerra em Gaza, eles dizem. Também querem que seja a última.
Mas se Netanyahu levar adiante a morte de civis em Gaza, através de ataques aéreos e bombardeios, como ele e outros líderes israelenses fizeram em operações militares anteriores, nem o Hamas nem qualquer outro grupo será eliminado.
A resistência palestina é cuidadosa demais para que se exponham como alvos fáceis para os caças, drones e franco-atiradores israelenses. As suas operações são conduzidas quase que exclusivamente de forma clandestina.
A destruição da resistência exigiria, portanto, uma invasão terrestre em grande escala.
Além de a resistência ter previsto todos os cenários, incluindo uma possível incursão militar terrestre, uma invasão de Gaza levaria certamente a milhares de mortes israelenses, para não falar da morte de dezenas de milhares de palestinos.
Além disso, os soldados israelenses revelaram-se incapazes de conduzir uma batalha terrestre. O Hamas demonstrou isso nos últimos dias, tal como o Hezbollah demonstrou no Líbano em 2000, e também em 2006.
Mesmo que Israel seja capaz de realizar essa invasão, o que é que fará quando Gaza for conquistada?
Em 2005, o exército israelense retirou-se de Gaza devido à intensa resistência em toda a faixa. Evacuou as suas forças e rapidamente se reposicionou, cercando Gaza em todas as direções, o que deu origem ao notório cerco atual.
Nessa altura, a resistência era muito mais fraca, menos organizada e muito menos armada do que é atualmente.
Se Israel assumir o controle de Gaza, terá de lutar contra essa mesma resistência palestina diariamente, e possivelmente durante anos.
Não é claro qual a direção que Netanyahu escolherá. Mas, seja como for, independentemente do que venha a acontecer nos próximos dias e semanas, Israel perdeu, em muitos aspectos, a guerra.
É preciso que isso fique claro.
(*) O Dr. Ramzy Baroud é jornalista e editor do The Palestine Chronicle. É Ph.D em Estudos da Palestina pela Universidade de Exeter. É autor de seis livros. Seu último livro, co-editado com Ilan Pappé, é “Our Vision for Liberation: Engaged Palestinian Leaders and Intellectuals Speak Out”.
(*) Tradução de Raul Chiliani