Durante a primavera e o verão de 2015, protestos enormes em resposta a escândalos de corrupção eclodiram em duas nações da América Central. Na Guatemala, uma investigação que foi encabeçada pela Comissão Internacional Contra a Impunidade, patrocinada pelas Nações Unidas, descobriu uma rede de corrupção aduaneira que chegava até os altos comandos e revelou provas de que seu líder era o presidente do país, Otto Pérez Molina. Os protestos na Cidade da Guatemala chegaram a tal ponto que, em setembro, Pérez Molina renunciou e foi enviado para a prisão, onde ainda espera julgamento.
Em Honduras, os protestos eclodiram quando alguns jornalistas revelaram que milhões de dólares do fundo para a saúde pública tinham sido desviados para o Partido Nacional (o partido do governo) e para a campanha do presidente Juan Orlando Hernández. As autoridades apresentaram acusações contra alguns diretores e executivos por outro caso de corrupção no sistema de saúde, mas ainda não foi apresentada nenhuma acusação contra Hernández ou funcionários de seu partido. Milhares de manifestantes carregavam tochas enquanto exigiam a renúncia de Hernández e a formação de uma comissão como a da Guatemala, respaldada também pelas Nações Unidas.
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Protestos realizados no meio do ano passado exigiam apuração das denúncias de corrupção
Hernández aceitou um “diálogo nacional” bastante controlado do qual vários líderes da oposição se recusaram a participar, e também propôs um órgão investigador vinculado ao governo e sem autonomia. Mas isso não serviu para acalmar os ânimos dos manifestantes, e a OEA (Organização dos Estados Americanos) colaborou no desenho de um plano alternativo. Foi daí que surgiu a Missão de Apoio Contra a Corrupção e a Impunidade em Honduras.
A missão se estabeleceu no mês passado na sede da OEA em Washington, em meio à muita expectativa e com o apoio do Departamento de Estado [norte-americano]. John Kirby, porta-voz do departamento, explicou que essa missão “responde às demandas legítimas do povo de Honduras para que sejam tomadas ações enérgicas e significativas contra a corrupção”.
Entretanto, os críticos hondurenhos não estão convencidos. Denunciaram o plano como ineficaz e insistem na criação de um organismo independente respaldado pelas Nações Unidas. Além disso, 54 membros do congresso estadunidense pediram que o secretário de Estado, John Kerry, apoie essa demanda. Uma coalização formada por quase todos os grupos de direitos humanos de Honduras declarou que essa nova missão tem “capacidade limitada para combater a corrupção e a impunidade no país”.
Ao contrário da comissão guatemalteca, que tem resultados sólidos na sua luta contra o crime organizado e a corrupção nos altos níveis do governo, a hondurenha não participará diretamente das investigações ou processos legais. Nesse caso, a equipe internacional de juízes e advogados somente oferece apoio técnico aos investigadores e procuradores locais, os quais são parte do judiciário e estão suscetíveis à pressão política. Ainda que a missão possa fazer recomendações para reformar o sistema jurídico, o governo não tem a obrigação de acatá-las.
Honduras precisa de apoio. Seus elevados níveis de violência (entre os mais altos do mundo) caminham de mãos dadas com uma taxa de impunidade alarmante. As forças de segurança estão totalmente filtradas pelo crime organizado: “Estamos podres até a medula”, declarou um ex-oficial de polícia ao jornal Miami Herald. Duas semanas depois, foi morto a tiros. Uma grande quantidade de jornalistas, advogados, ativistas, defensores de direitos da comunidade LGBT e opositores do sistema foram assassinados e os crimes permanecem impunes.
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As conquistas da nova missão dependerão da vontade política. Há poucos motivos para o otimismo uma vez que Hernández e o Partido Nacional têm antecedentes de passar por cima da lei. Em 2012, como presidente do Congresso, Hernández destituiu vários juízes da Corte Suprema e encheu a magistratura com seus aliados de forma ilegal. Em 2014, seu partido dissolveu uma comissão independente de reforma da segurança pública que era amplamente respeitada e ignorou suas recomendações. Além disso, o procurador-geral de Honduras, Óscar Chinchilla, não investigou nem processou os líderes do Partido Nacional pelo desvio de fundos da saúde pública.
Infelizmente, o governo estadunidense está mal posicionado e é de pouca ajuda. Em 2009, o Departamento de Estado, a cargo de Hillary Clinton, colaborou com o golpe de Estado em Honduras, que triunfou ao impedir que Manuel Zelaya voltasse ao poder. Desde então, os esforços diplomáticos de Washington se concentraram em apoiar uma série de governos corruptos. Mais de 100 membros do Congresso dos Estados Unidos pediram ao governo Obama que condene as violações aos direitos humanos cometidas pelas forças de segurança e questionaram a assistência concedida a Honduras em matéria de segurança.
Entretanto, Washington ainda apoia Hernández. No momento mais importante dos protestos do ano passado, o embaixador estadunidense anunciou que “as relações entre os Estados Unidos e Honduras são talvez as melhores da história”. Esse ano, Washington voltou a aumentar a assistência militar e policial para a América Central, da qual Honduras recebe uma porcentagem significativa, sobretudo por meio da nebulosa Iniciativa Regional de Segurança para a América Central.
Devido aos limites da missão anticorrupção, e as acusações contra os funcionários envolvidos no cumprimento das recomendações, parece pouco provável que esse organismo seja capaz de superar a crise de Honduras. Pelo contrário, dá a impressão de que busca oferecer apenas uma fachada de respeitabilidade para a relação entre Estados Unidos e Honduras.
Ainda assim, a legislação sobre a alocação de fundos no Congresso dos Estados Unidos para 2016 dá ferramentas para a pressionar o governo hondurenho. Tal legislação obriga que a metade da ajuda para Honduras (dezenas de milhões de dólares) esteja condicionada a que o Departamento de Estado certifique que as autoridades executem ações efetivas para lutar contra a corrupção, que colaborem com as comissões para combater a impunidade e que investiguem e processem os “membros das forças militares e de segurança pública que violaram direitos humanos”.
O Departamento de Estado levará a sério o processo de certificação?
Sem dúvida, os manifestantes continuarão marchando pelas ruas da capital hondurenha, Tegucigalpa, como fizeram durante o último mês, e pedirão a criação de um órgão anticorrupção mais efetivo e respaldado pelas Nações Unidas. Se a missão respaldada pela OEA não der resultados, Hernández pode receber uma mostra do poder do povo, o mesmo que depôs o presidente guatemalteco.
* Alexander Main é sócio sênior do Centro para a Investigação Política e Econômica na área de política internacional