A sombra do golpe de Estado paira sobre o governo do novo presidente de Honduras, Porfírio Lobo. E ele, mais do que ninguém, sabe disso. Por isso, ontem se apresentou como o presidente da “reconciliação” e formou um gabinete de “unidade nacional”. Tanto os ministérios como os altos cargos são ocupados por membros dos cinco partidos que participaram das eleições em 29 de novembro de 2009, apesar de seu partido, o Nacional, ter conseguido maioria absoluta no Congresso, com 72 cadeiras de um total de 128. Já há 16 ministros designados, entre os quais estão Felicito Ávila (Democracia Crista) e Bernard Martinez (Partido Inovacao e Unidade). Mesmo assim, o esquerdista César Ham, da Unificação Democrática, será o diretor do Instituto Nacional Agrário, que preparava a reforma agrária com Manuel Zelaya.
Contudo, essa tentativa não parece agradar a todos. A bancada liberal, por exemplo, do partido de Zelaya e Micheletti – sim, o presidente deposto e o substituto interino, lider do governo golpista, sao do mesmo partido – abandonou o Congresso e se recusou a assistir a posse, pois queria uma fatia maior do bolo. Tampouco estão contentes os integrantes da Frente Nacional de Resistência (FNR), que não participaram das eleições – provocando uma abstenção superior a 50% – e agora questionam a “reconciliação” de Lobo. “Quem fala sobre conciliação? Os golpistas estão se reconciliando entre eles. Não estão levando em conta a resistência”, declara ao Opera Mundi, Carlos H. Reyes, líder da Frente.
“É o mesmo que a anistia. Eles decretaram-na para anistiar a si próprios”, diz ele, sobre a lei promulgada pelo Congresso que garante imunidade aos responsáveis civis e militares pelo golpe de 28 de junho. Neste sentido, Bertha Oliva, diretora do Comitê de Familiares de Desaparecidos, acrescenta: “A anistia e a proposta de Lobo de instalar uma suposta comissão da verdade são uma estratégia para que o povo e o mundo se esqueçam do que ocorreu, para que os crimes fiquem impunes e a comunidade internacional libere a ajuda para os pobres”.
Neste sentido, a FNR reitera que não reconhece o governo de Lobo e se mostra decidida a voltar às ruas para protestar. E esse conflito pode acontecer a qualquer momento, pois Lobo herdou os cofres nacionais mais empobrecidos do que o habitual, em consequência do desperdício do governo e da suspensão das ajudas internacionais nos últimos meses. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), Honduras encerrou 2009 com uma contração do Produto Interno Bruto (PIB) equivalente a 3%, o que levou o país a registrar sua primeira recessão nos últimos dez anos, periodo em que teve crescimento de 4 a 6%.
Lobo também é consciente disso e ressaltou a situação em seu discurso de posse. “Devido à crise política, recebemos o país na mais difícil situação econômica de sua história, mas também teremos um país com pessoas dispostas a seguir adiante”, declarou. Ele anunciou medidas populistas, como uma bolsa de 10 mil lempiras (550 dólares) para as famílias mais pobres. Contudo, não fez nenhuma menção às medidas que tomará para frear a recessão. Segundo o analista Héctor Soto, estas se fundamentarao em aumento de impostos e desvalorizacao da moeda, junto a outras de caráter neoliberal, como a exoneração de tributos para investimento transnacional. O presidente poderia inclusive cortar o salário mínimo, que foi aumentado por Manuel Zelaya.
Assim, apesar do gesto de facilitar a saída de Zelaya – que partiu para a República Dominicana no dia da posse –, Lobo estreia um mandato complicado, castigado pela falta de legitimidade e uma grave crise econômica.
Maria Josep Siscar e jornalista e colaboradora do Opera Mundi em Honduras.
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