Há 80 anos, em 10 de junho de 1944, soldados nazistas chacinavam a população civil de Oradour-sur-Glane, uma comuna francesa na região da Nova Aquitânia. Consumado como uma punição coletiva após o assassinato de um oficial da Waffen-SS pela Resistência Francesa, o Massacre de Oradour-sur-Glane deixou 643 mortos — a maioria dos quais mulheres e crianças.
Foi o maior massacre cometido pelos nazistas contra a população civil da França durante a Segunda Guerra Mundial.
A capitulação da França diante das tropas nazistas ainda no início da Segunda Guerra Mundial causou espanto e consternação. A despeito de ser reconhecida como uma das maiores potências militares da Europa, a França foi derrotada em apenas seis semanas. Os erros estratégicos do oficialato francês contribuíram para o sucesso alemão. O sistema defensivo, totalmente ancorado na Linha Maginot, mostrou-se completamente ineficaz diante do emprego da “blitzkrieg” (“guerra relâmpago) e foi rapidamente desarticulado.
A resposta francesa foi lenta e descoordenada e os oficiais não se preocuparam em elaborar nenhuma contraofensiva. Por fim, o país sofria com as divisões políticas internas e abrigava um grande número de apoiadores do ideário nazista, o que se refletia na apatia e na baixa moral das tropas nacionais.
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A derrota da França consolidou o domínio de Hitler sobre a Europa e alimentou as ambições do Eixo. Em junho de 1940, após a assinatura do Armistício de Compiègne, o país foi dividido em duas zonas distintas. As partes norte e oeste foram militarmente ocupadas pelos alemães, enquanto que ao sul foi instaurado um regime colaboracionista — a “França de Vichy”, cujo comando foi entregue ao marechal Henri Pétain, um simpatizante do nazismo. O regime de Vichy cooperou voluntariamente com o Eixo, criando uma organização paramilitar fascista (Milícia Francesa), implementando leis antissemitas e enviando dezenas de milhares de judeus, romanis, comunistas e opositores políticos para campos de concentração.
Coube aos próprios civis a responsabilidade de lutar contra a ocupação nazista no país. A Resistência Francesa chegou a congregar mais de 400 mil membros (ditos partisans ou “maquis”), incluindo desde comunistas e anarquistas até núcleos menores de liberais e democratas cristãos, com a presença significativa de combatentes estrangeiros. Os partisans se organizavam em células autônomas e realizavam ações de enfrentamento aberto, guerrilha, sabotagem, espionagem e contrainteligência.
Uma das células mais combativas da Resistência Francesa era a dos “Maquis du Limousin”, ativo na região da Nova Aquitânia. Sob a liderança de Georges Guingouin, dirigente do Partido Comunista Francês, os “Maquis du Limousin” executaram uma série de ações ousadas que incomodaram o comando nazista, incluindo a dinamitação de uma central elétrica nos arredores de Ussel e escaramuças e ataques a guarnições alemãs.
Em junho de 1944, durante a realocação das tropas alemãs visando o reforço do contingente ativo na Batalha da Normandia, o oficialato nazista incumbiu Helmut Kämpfe, comandante de uma divisão da Waffen-SS, de iniciar operações para neutralizar as ações da Resistência Francesa na região da Nova Aquitânia. Em 9 de junho, adiantando-se ao plano, uma brigada dos “Maquis de Limousin” chefiada por Jean Canou armou uma emboscada para capturar o comandante.
O veículo que conduzia Kämpfe foi interceptado em uma estrada nos arredores de Oradour-sur-Glane. O oficial nazista foi executado no dia seguinte, por ordem de Guingouin.
O comandante Adolf Diekmann mobilizou tropas da Waffen-SS e da Milícia Francesa para procurar por Kämpfe. Furioso ao ser informado de que o corpo carbonizado do colega fora encontrado, Diekmann ordenou aos homens de seu batalhão que destruíssem a cidade de Oradour-sur-Glane e matassem todos os seus moradores. A aldeia — um pequeno vilarejo medieval povoado por trabalhadores agrícolas — não abrigava nenhum aparelho da Resistência Francesa. O ataque visava apenas punir coletivamente a população pelo assassinato de um oficial nazista.
Na noite de 10 de junho de 1944, um grupo composto por 200 soldados da Waffen-SS cercou todas as saídas da cidade. Os paramilitares ordenaram aos moradores que se reunissem na praça principal da aldeia para uma averiguação de documentos. Os populares foram divididos em dois grupos. Os homens foram conduzidos até os celeiros, onde linhas de metralhadoras já estavam montadas. Em seguida, foram todos fuzilados. Dos 195 homens alvejados, apenas cinco sobreviveram. Em outra parte da cidade, as mulheres e crianças foram trancadas dentro de uma igreja. Os nazistas então jogaram bombas incendiárias pelas janelas. O fogo logo se alastrou pelo edifício, matando 247 mulheres e 207 crianças. As vítimas que tentaram pular as janelas foram alvejadas pelos soldados que cercavam o edifício. Somente uma mulher, Marguerite Rouffanche, conseguiu sobreviver.
Ao todo, 643 pessoas foram assassinadas durante o Massacre de Oradour-sur-Glane — quase toda a população da aldeia. Cerca de 20 moradores conseguiram escapar do massacre, fugindo assim que viram as tropas da Waffen-SS cercando o vilarejo. Após matarem os civis, os soldados nazistas saquearam e incendiaram os comércios e residências. Pouco tempo após a matança, um piloto norte-americano chamado Raymond Murphy fez um pouso forçado na região, após ter sua aeronave abatida pela Luftwaffe. Murphy produziu um relatório entregue ao comando dos Aliados citando os horrores que testemunhou no local, incluindo um bebê que foi crucificado.
As informações sobre o massacre começaram a circular, causando horror e revolta na população francesa. Pressionado por burocratas do regime de Vichy, o oficialato alemão chegou a abrir um inquérito para apurar a conduta de Diekmann e dos demais membros da milícia nazista, mas a investigação logo foi suspensa. Diekmann morreu poucas semanas após o massacre, durante a Batalha da Normandia.
Após a derrota da Alemanha nazista e o fim da Segunda Guerra Mundial, o presidente francês Charles De Gaulle concedeu ao vilarejo o título de “cidade mártir”. O governo francês optou por não reconstruir a cidade, preferindo mantê-la como um memorial sobre os horrores da ocupação nazista. Um pequeno museu foi inaugurado entre as ruínas, contendo documentos, fotografias e objetos que pertenciam aos antigos moradores, bem como itens relacionados ao massacre. Um novo povoado carregando o mesmo nome foi construído próximo ao núcleo original da cidade.
A memória da chacina, entretanto, ficou quase inteiramente restrita às ações simbólicas, com poucas iniciativas de responsabilização legal dos assassinos. Na década de 1950, as autoridades francesas iniciaram uma investigação, mas somente 21 dos 65 soldados da Waffen-SS que participaram do massacre e ainda estavam vivos foram levados a julgamento. Desses, dois foram condenados à pena de morte e cinco receberam sentenças de prisão.
O governo francês concedeu anistia a todos os colaboradores franceses que atuaram no massacre, alegando que eles foram forçados a participar. Em 1958, todos os réus condenados já tinham sido liberados da cadeia.
Heinz Lammerding, o oficial nazista que ordenou a ofensiva contra os partisans da Nova Aquitânia, nunca foi punido e viveu uma vida confortável como empresário até sua morte em 1971. Em 1983, o governo da Alemanha Oriental identificou Heinz Barth como um dos soldados que atuaram na chacina. Ele foi julgado e condenado à prisão perpétua, mas foi libertado pouco tempo após a reunificação da Alemanha. O último inquérito relativo à matança foi aberto em 2014, tendo como alvo o veterano Werner Christukat. Ele admitiu que estava na aldeia com o resto do batalhão no dia do massacre, mas a Justiça alemã arquivou o caso por “ausência de provas”.