Neste domingo (02/02), mais de três milhões de costarriquenhos foram convocados a votar para eleger o sucessor da atual presidente, Laura Chinchilla, e os 57 deputados que integram a Assembleia Legislativa, para o período de 2014- 2018. Um processo eleitoral que muitos analistas já apontam como histórico, não apenas pela incerteza do resultado final que, quase certamente, vai exigir um segundo turno, mas, sobretudo pelo alto grau de aceitação alcançado pelo candidato de partido de esquerda Frente Ampla, José María Villalta.
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Efe
Villalta (de camisa amarela e óculos), candidato da Frente Ampla costarriquenha, quer reduzir pobreza e patrocinar reforma fiscal
Villalta ficou conhecido muldialmente por propor um projeto de lei que, entre outras coisas, contemplava a aprovação do casamento gay. O texto foi acidentalmente aprovado por deputados conservadores. Além de Villalta, os outros dois candidatos que, de acordo com as últimas pesquisas, têm possibilidade de ganhar, são Johnny Araya, do governista PLN (Partido Libertação Nacional) e Otto Guevara, do partido de direita MV (Movimento Libertário).
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Araya é um político experiente e de longa trajetória, que, por cinco mandatos consecutivos, esteve à frente da prefeitura da capital, San José. Apoiado por setores empresarias ligados à agroexportação, ao comércio internacional a à construção, Araya assistiu, quase sem reagir, à acelerada diminuição da ampla vantagem que, até o mês de setembro, tinha sobre seus adversários políticos.
Para ele, tem sido extremamente difícil reverter o forte descontentamento da população com a decepcionante gestão dos dois últimos governos do PLN: o de Óscar Arias (2006-2010) e, sobretudo, o de Chinchilla (2010-2014), que aparece em várias pesquisas internacionais como a mandatária com o maior nível de rejeição na América Latina e no Caribe. Contudo, a grande surpresa dessas eleições é o jovem candidato do partido Frente Ampla.
José Maria Villalta, de 34 anos, advogado, ecologista e deputado pelo FA (2010-2014), soube, desde o começo, captar o interesse do eleitorado tradicional, ao mesmo tempo em que apresentava propostas claras e concretas. Sua principal proposta é voltar a fortalecer o papel central do Estado, colocando o ser humano no centro dos projetos sociais e de combate à pobreza e à desigualdade.
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“Entre um candidato governista desgastado, que tenta dar uma roupagem mais social-democrata a um programa conservador, e outro, Otto Guevara, que promove uma redução ainda maior do Estado e uma série de novas privatizações, a proposta de Villalta conseguiu penetrar na sociedade, e isso apesar da violenta campanha suja empreendida pelos setores mais conservadores do país”, disse Rotsay Rosales Valladares, cientista político e docente da Escola de Ciências Políticas da Universidade da Costa Rica ao Opera Mundi.
Para ele, independentemente de quem ganhe no próximo dia 2 de fevereiro, o novo presidente encontrará uma país fortemente fragmentado politicamente e terá de buscar um consenso nacional para poder elaborar uma agenda mínima de trabalho.
Leia entrevista abaixo:
Opera Mundi: Como se desenvolveu o processo eleitoral que chega ao fim esse domingo?
Rotsay Rosales: Foi um processo que começou muito tarde e que, a partir de janeiro, quando a Frente Ampla começou a apresentar sua proposta, se caracterizou por repetidos ataques do PLN e do MV contra o candidato Villalta, que esses partidos e setores conservadores da sociedade costarriquenhos percebem como uma ameaça. A campanha suja tentou posicionar essa nova força política no imaginário coletivo como comunista, chavista, sandinista e populista, polarizando ainda mais o ambiente eleitoral.
Dessa campanha participaram ativamente vários poderes constituídos, como, por exemplo, certos setores da igreja e os grandes meios de comunicação de massa, que publicaram notícias especializadas a favor dos partidos de direita e ocultaram a proposta da Frente Ampla. Entretanto, a campanha suja teve também um efeito bumerangue, atraindo a atenção da população, sobretudo daqueles setores de rígida abstenção, que agora se juntaram á massa dos indecisos, cujo convencimento é o principal objetivo de todas as forças políticas em uma eleição tão concorrida quanto a que está tomando forma.
Universidade da Costa Rica/Divulgação
Valladares: “Nunca na Costa Rica tinha se desenhado a possibilidade real de que um movimento de esquerda pudesse governar”
OM: Que peso teve a administração de Laura Chinchilla?
RR: Todas as pesquisas apresentam seu governo como o pior de toda a história do país, e para o partido governista é muito difícil poder aspirar um terceiro período consecutivo. No imaginário coletivo, existe uma percepção muito negativa sobre a queda do emprego, o aumento da precariedade laboral, a crise da previdência, o aumento da corrupção governamental e uma economia que não consegue se levantar. Nesse sentido, as pessoas têm interesse em conhecer mais o conteúdo dos programas dos candidatos, o que permite descobrir as diferenças, principalmente a partir de sua percepção da relação Estado-mercado-sociedade.
OM: Quais são as características desses programas?
RR: As propostas do PLN e do ML pretendem reforçar o mesmo modelo imposto durante os últimos 25 anos, e que fundamentalmente consiste no Estado como criador e facilitador de oportunidades para que a dimensão prioritária do país seja os negócios internacionais e o mercado.
Esse objetivo está acima da intervenção estatal nos assuntos públicos e se propõe a reduzir ainda mais seu raio de ação, mantendo o Estado como elemento de contenção do descontentamento daqueles setores da sociedade que não estão vinculados aos negócios, nem à transnacionalização do comércio e das finanças.
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Definitivamente, um modelo claramente neoliberal, e Otto Guevara, que apresenta pela quarta vez sua candidatura presidencial, é o que mais promove essa visão, enquanto Araya tenta dar-lhe matizes aparentemente socialdemocratas, mas sempre colocando mercado acima do Estado e da sociedade.
Além disso, o neoliberalismo econômico na Costa Rica abriga uma agenda de conservadorismo que não é apenas econômico, mas também social e cultural. Com discursos antagônicos em relação aos avanços sociais e os direitos de quarta e quinta geração.
OM: Qual é a proposta alternativa de José María Villalta?
RR: Junto a seu partido, reivindica uma mudança substancial, não apenas na gestão imediata de governo, mas também no governo-país. Segundo ele, o Estado deve recuperar sua capacidade de promoção e intervenção, sobretudo em se tratando dos setores mais vulneráveis, para reverter as situações de desigualdade que foram crescendo no país, para reduzir a pobreza extrema.
Além disso, propõe uma reforma fiscal progressiva, o incentivo de medidas para a promoção e a proteção do pequeno e médio produtor, assim como uma atenção muito particular à questão ambiental e ecológica, em relação aos direitos trabalhistas e ao resgate da previdência social.
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Villalta soube atrair o interesse das pessoas com sua muito boa gestão como deputado, demonstrando ser coerente, honesto e consequente em tudo o que diz. O país está cansado do continuísmo e da deterioração do Estado social. Villalta e a Frente Ampla representam uma alternativa real e muito concreta, e a população, mesmo apesar da campanha suja, parece estar disposta a “correr o risco” de avançar em direção a uma mudança.
Nunca na história da Costa Rica que, fundamentalmente, é um país conservador e de direita, tinha se desenhado a possibilidade real de que a articulação de um movimento de esquerda pudesse governar ou, ao não consegui-lo, se colocar como a principal força de oposição.
OM: O que a população costarriquenha espera depois do 2 de fevereiro?
RR: Ganhe quem ganhar, o próximo presidente da República terá um país altamente fragmentado politicamente, e não poderá contar com uma maioria parlamentária. Nesse sentido, terá de convocar de imediato um processo de consenso nacional para conseguir elaborar uma agenda mínima de trabalho.