Os jornais franceses desta segunda-feira (20/01) ainda repercutem o escândalo criado com a citação nazista de Roberto Alvim que levou à demissão do secretário de Cultura do Brasil. O jornal Libération aponta que o “delírio nazista” não é um fato isolado no país e que a “indignação dos pró-Bolsonaros foi seletiva”. “O Brasil de Bolsonaro em guerra contra seus artistas” é o título do Le Figaro.
O jornal conservador diz que desta vez “o alerta vermelho” foi acionado e que o presidente brasileiro foi obrigado a exonerar o secretário da Cultura após seu plágio do discurso do chefe da propaganda nazista, Joseph Goebbels, e a onda de indignação provocada pelo episódio. Citando a imprensa brasileira, a matéria informa que apesar dos protestos de organizações judaicas, da Alemanha e da classe política, Roberto Alvim caiu somente após a intervenção do embaixador de Israel, um país “cortejado” por Bolsonaro.
Para o meio artístico, esse discurso é uma ilustração caricatural da “guerra cultural” lançada pelo governo Bolsonaro desde sua chegada ao poder, no ano passado. O ex-ministro da Cultura e deputado Marcelo Calero, entrevistado pelo Le Figaro, afirma que o presidente considera o meio cultural como “um inimigo e, de fato, persegue os artistas que ousam contestá-lo”.
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Censura “não assumida”
Também entrevistado pelo correspondente do jornal no Brasil, o cineasta Antônio d’Avila, que teve um projeto de documentário sobre a ditadura bloqueado pela Ancine, denuncia “a censura não assumida da política cultural atual”. Segundo ele, pela primeira vez no Brasil há “um filtro” para escolher os projetos artísticos a serem financiados, particularmente no cinema, que é uma indústria importante para a economia brasileira.
Lembrando a decisão do juiz carioca que mandou a Netflix suspender o especial de Natal da Porta dos Fundos, Le Figaro relata que nem sempre a censura é dissimulada no país. Ao correspondente do Le Figaro, o diretor Antônio d’Avila diz esperar que uma resistência contra a censura vá se organizar no Brasil.
Secretaria Especial de Cultura / Flickr
O ex-secretário de cultura, Roberto Alvim
“Indignação seletiva”
Libération diz que a indignação dos pró-Bolsonaros contra o plágio de Goebbels por Roberto Alvim e suas ambições nacionalistas foi “seletiva”. “Alvim foi demitido, mas sua política cultural continua”. Com a exoneração do secretário de Cultura na última sexta-feira (17/01), o presidente de extrema-direita brasileiro acredita que tudo teria voltado ao normal, escreve o diário. Mas esta foi “uma volta à normalidade estranha”.
Fazendo referência a um tuíte do pesquisador Murilo Cleto, especialista em novos movimentos conservadores, Libération aponta que daqui para frente “o governo brasileiro só fará referências aos líderes que têm afinidades com Bolsonaro: Duterte, Trump, Salvini ou Pinochet. O nazismo, nunca mais!”
O psicanalista Tales Ab’Saber ressalta nas páginas do jornal, que a polêmica “desmascarou a natureza profunda do governo Bolsonaro”. Os mais otimistas veem no caso o sinal de que “o extremismo tem limites, mesmo para o incivilizado Bolsonaro”. Na verdade, o presidente só reagiu porque foi pressionado, principalmente pela Confederação israelense do Brasil, sublinha o artigo.
“Delírio nazista” não é fato isolado
O escritor Michel Laub fustiga a elite brasileira que, “seduzida pela promessa das reformas econômicas liberais, “fechou os olhos para as declarações racistas, contra as minorias e artistas, do presidente.
Libération cita também Eliane Cantanhêde, editorialista do Estado de São Paulo, para quem o “delírio nazista de Roberto Alvim não é um fato isolado”. Ele se inscreve em um contexto favorável, onde, de tempos em tempos, responsáveis políticos ameaçam com o retorno do AI-5 e que o próprio Bolsonaro homenageia ditadores sanguinários.
Portanto, a exoneração do secretário da Cultura não transformará o governo Bolsonaro em um governo democrático, alertam críticos do governo citados por Libération. Sua política “totalitária”, com o apoio de projetos artísticos em conformidade com os valores bolsonaristas de defesa da pátria, família e religião, persiste. E isso tudo, sem preocupar demasiadamente a “opinião pública”.