O Fundo Monetário Internacional (FMI) anunciou nesta quinta-feira (22/06) ter atingido o montante de US$ 100 bilhões destinados para os países pobres enfrentarem a pobreza e as mudanças climáticas, além de promoverem o desenvolvimento. O anúncio ocorreu na abertura da Cúpula para o Novo Pacto Global de Financiamento, em Paris, e visa contribuir para o restabelecimento da confiança entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Os recursos serão disponibilizados por meio de direitos especiais de saque (SDRs), um ativo de reserva do FMI. “Estamos atingindo a meta. Temos US$ 100 bilhões”, disse a presidente da instituição, Kristalina Georgiava, durante mesa redonda com a presença do presidente francês, Emmanuel Macron, e o presidente do Banco Mundial, Ajay Banga.
Em 2021, a comunidade internacional concordou com o princípio de uma emissão global de SDRs de US$ 650 bilhões, dos quais US$ 33 bilhões retornariam imediatamente à África, graças ao sistema de cotas da instituição de Washington. A ideia, porém, era poder ir além e aumentar para US$ 100 bilhões o valor destinado aos países pobres, realocando parte dos direitos de saque dos países ricos.
As mudanças nesse mecanismo fazem parte de uma série de compromissos dos países desenvolvidos que demoram a ser colocados em prática. Outro fundo importante que continua em suspenso é o de US$ 100 bilhões por ano, a partir de 2020, para as economias menos desenvolvidas combaterem os efeitos das alterações climáticas. A decisão foi tomada na Conferência do Clima de 2009 e ratificada no Acordo de Paris, assinado em 2015, mas até hoje não foi totalmente cumprida.
“Este objetivo tem grandes chances de ser atingido neste ano”, celebrou o presidente francês, Emmanuel Macron, anfitrião da cúpula, em uma mensagem no Twitter.
100 milliards de dollars pour l’action climatique : c’est l’objectif fixé en 2009 au Sommet de Copenhague.
Au Sommet de Paris pour un nouveau pacte financier mondial, les économistes de la COP 28 l’annoncent : cet objectif a de grandes chances d'être atteint cette année !
— Emmanuel Macron (@EmmanuelMacron) June 22, 2023
Os atrasos levaram a uma crise de confiança, que as instituições financeiras internacionais estão tentando enfrentar prometendo reformas internas para aprimorar o combate à pobreza e as mudanças climáticas nos países que mais precisam de ajuda.
'Transformação absoluta' do sistema financeiro
Nesta manhã, no início da cúpula em Paris, a primeira-ministra da pequena ilha de Barbados, Mia Mottley, foi a porta-voz das nações mais vulneráveis tanto do ponto de vista econômico, asfixiados por dívidas, quanto sob o aspecto ambiental. Convidada especial de Macron, ela foi aplaudida ao exigir uma “transformação absoluta” do sistema financeiro global, e não apenas uma “uma reforma de nossas instituições”.
“Chegamos a Paris hoje com o coração pesado, mas com esperança. Nove meses atrás, ninguém falava sobre cláusulas de desastres naturais”, destinadas a permitir que um país atingido por uma catástrofe climática suspendesse o pagamento da dívida, observou ela.
“Nove meses atrás, não estávamos preparados para discutir questões de dívida e gasolina”, acrescentou Mottley, em alusão ao fim dos combustíveis fósseis.
Barbados, exposto à passagem de furacões e ameaçado pelo aumento do nível do mar causado pela mudança climática, tem sido incansável na luta por uma reforma das instituições econômicas internacionais. O plano de Mottley, conhecido como Agenda de Bridgetown em homenagem à capital do país, prevê usar o FMI para aumentar o volume de investimentos voltados para a redução das emissões de CO2, possivelmente com novos impostos indexados.
Twitter/Emmanuel Macron
A cúpula promove seis mesas redondas com a participação de dirigentes de cerca de 100 países e representantes das mais importantes instituições financeiras multilaterais. Nomes como a presidente da Comissão Europeia, Ursula Van der Leyen, a do FMI, Kristalina Georgiava, e a secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, marcam presença, além dos presidentes dos maiores bancos de desenvolvimento e líderes dos cinco continentes, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o chanceler alemão, Olaf Scholz, e 20 presidentes africanos. Lula participará do segundo e último dia do evento, nesta sexta (23/06).
Macron pede mais colaboração do setor privado
Os diálogos buscam acelerar soluções para temas que vão desde o alívio da dívida dos países pobres até o financiamento climático. Segundo Yellen, Washington vai “pressionar” para que os credores de países menos desenvolvidos participem das negociações para reestruturar suas dívidas. A China, um dos principais credores mundiais, é regularmente apontada pela sua falta de participação num quadro de reestruturação comum com os países ocidentais. Pequim é representada na cúpula pelo primeiro-ministro Li Qiang.
No discurso de abertura do evento, o presidente francês pediu um “choque de financiamento público” em benefício dos países pobres, alegando que “há muita liquidez neste mundo”, mas que o dinheiro não está suficientemente empregado “a serviço do progresso do planeta e deste duplo desafio: pobreza e biodiversidade”.
“Nunca nenhum dirigente, nenhum país deve ter que escolher entre reduzir a pobreza e a proteção do planeta. Cada país deve escolher soberanamente o seu caminho”, argumentou Macron. “Precisamos de muito mais setor privado (…) Não acho que conseguiremos mudar totalmente o sistema, mas acho que podemos fazê-lo funcionar muito melhor”, disse. “Precisamos cristalizar os instrumentos e de inovação financeira, que têm vocação a adotar mecanismos de garantia que lhes permita mais exposição”, completou o líder francês.
O recado era para os bancos multilaterais de desenvolvimento, como o Banco Mundial, assumirem mais riscos com seu capital para poder aumentar os empréstimos sob condições menos rigorosas, de acordo com um rascunho da declaração final, obtido pela agência Reuters.
Em uma declaração gravada, o secretário-geral da ONU, António Guterres, reforçou os apelos por mudanças, afirmando que “a arquitetura financeira internacional falhou”. Segundo ele, as regras que regem a atribuição de fundos pelo FMI ou o Banco Mundial “tornaram-se profundamente imorais” e “ficar parado não é uma opção”, defendeu.
Presente no evento, a jovem ativista Vanessa Nakate, por sua vez, pediu um minuto de silêncio pelas vítimas das mudanças climáticas. Ela clamou por “uma saída justa dos combustíveis fósseis”, atacando diretamente os lucros das empresas petrolíferas ocidentais.
Do lado de fora, organizações ecologistas denunciaram uma “cúpula do greenwashing”, alegando que o encontro não tem poder de decisão e serve apenas como uma “operação de comunicação” dos participantes.