Processo Condor: documentos ligam ex-tenente uruguaio a torturador argentino
Incluídos no processo da Operação Condor que tramita em Roma, papeis também apontam envolvimento do serviço de inteligência da Marinha uruguaia com sequestro de professora
Documentos anexados ao processo de apelação do Caso Condor,
que tramita no Tribunal de Roma, ligam o ex-tenente uruguaio Néstor Troccoli
com o argentino condenado por tortura Alfredo Astiz, além de evidenciarem o
possível envolvimento do Serviço de Inteligência da Marinha do Uruguai (Fusna)
no sequestro da professora Elena Quinteros, uma militante anarquista que
desapareceu durante a ditadura no país oriental (1973-1985). Os papéis, no
geral, detalham o funcionamento da colaboração entre as agências de
inteligência em Montevidéu e Buenos Aires.
A informação sobre a apresentação das provas foi dada no
final da audiência de apelação, que aconteceu em dia 8 de outubro. A sessão
aberta ao público, e presidida pela juíza Agatella Giuffrida, foi encerrada
após pedido da defesa, que alegou ter tido problemas com o recebimento dos
autos do processo, e adiada para o dia 7 de novembro.
No total, são treze documentos inéditos que foram
desclassificados recentemente e por isso não puderam ser utilizados no processo
de primeiro grau que, em 17 de janeiro de 2017, condenou à prisão perpétua 8 dos
33 acusados de crimes cometidos durante o período de atuação da Operação
Condor. Do total dos réus, 14 são
uruguaios, mas somente o ex-chanceler Juan Carlos Blanco foi condenado. Troccoli,
por sua vez, era um dos militares responsáveis pelos interrogatórios do Fusna e
hoje vive em Battipaglia, pequena cidade do sul da Itália.
Depositadas no tribunal dia 5 de outubro por Andrea Speranzoni, advogado do Estado do Uruguai, as provas foram recolhidas durante viagem de vinte dias que Speranzoni fez ao Uruguai e Argentina em agosto passado. Parte da documentação foi encontrada em arquivos do Fusna, arquivos do Departamento de Estado dos Estados Unidos e do Centro de Estudos Legais e Sociais, da Argentina. Com base no conteúdo da nova documentação, Speranzoni pretende chamar para depor cinco novas testemunhas contra Troccoli.
O documento produzido pelo advogado, ao qual Opera Mundi teve acesso, elenca as provas encontradas pelo advogado. Entre elas, consta um manuscrito analisado por um grafólogo com informações atribuídas a Troccoli, onde ele cita o argentino Alfredo Astiz. Conhecido como “Anjo da Morte”, era um agente infiltrado em grupos de ativistas – incluindo a associação das Mães da Praça de Maio – e foi condenado por vários crimes contra a humanidade em seu país. Segundo o documento, nesse manuscrito, Troccoli afirma que Astiz “o conhece perfeitamente”, deixando entender que o argentino estava ciente das operações uruguaias na Argentina.
O advogado ainda cita no documento a investigação aberta
pela Justiça uruguaia para apurar as ameaças de morte feitas por um
autoproclamado “Comando Barneix” em fevereiro de 2017 contra juízes,
pesquisadores e ativistas ligados de alguma forma ao Processo Condor. Entre os
ameaçados, está o brasileiro Jair Krischke, presidente da ONG Movimento de Justiça e Direitos Humanos.
Troccoli
Especificamente contra o ex-militar uruguaio, os autos em trâmite na Justiça italiana descrevem inúmeras vítimas, como a argentina Aida Celia San Fernandez, por exemplo. Grávida, foi sequestrada em Buenos Aires na antevéspera do natal de 1977. Foi torturada com o uso de cabos elétricos e uma colher nas genitais, o que provocou o parto prematuro da filha, Mercedes Carmen Galo, que nasceu na prisão. Aida é mais uma das vítimas que integram a lista de desaparecidos do continente sul-americano: foi assassinada, e seu corpo, jamais encontrado.
Em depoimento à justiça italiana, queOpera Mundi publicou com exclusividade em 2015, Troccoli declarou ser inocente e não saber da existência da Operação Condor. “Não sabia da existência do Plano Condor, fazia o que meu comandante pedia”, disse. “Eu sabia as torturas, sabia que nas Forças Armadas havia tortura. A tortura era um procedimento normal na Fusna. Consistia em manter por várias horas os prisioneiros em pé, encapuzados, sem beber e sem comer. Mas torturar sadicamente e perversamente, não. A tortura era uma condição de rigor.”
Reprodução
Trecho do documento anexado ao processo da Operação Condor que corre na Itália
