No programa SUB40 desta quinta-feira (07/04), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou a jornalista, escritora e pesquisadora Bianca Santana, autora dos livros Quando me descobri negra e Continuo preta: a vida de Sueli Carneiro, sobre suas obras e seu trabalho de retomar e registrar a memória negra.
Ela contou que, por mais que não sejam conhecidas, sempre existiram referências de uma produção cultural negra afrobrasileira e de uma intelectualidade negra que bastavam ser recuperadas.
“A questão é que o nosso racismo sempre foi tão bem articulado que, diferentemente dos EUA, nunca foi necessária uma lei de segregação. Criou-se o mito da democracia racial”, explicou. Segundo ela, o não dito era igualmente ou até mais poderoso que a segregação para ajudar na reprodução do racismo e do machismo: “O apagamento e o silenciamento da memória negra são constantes na história do Brasil, mas sempre existiu resistência negra. O que a gente fez foi narrá-la pouco”.
Essa foi uma das razões pelas quais Santana escolheu narrar a vida de Sueli Carneiro. A partir da história da escritora e ativista, a jornalista pode registrar também a trajetória das mulheres negras de sua geração e retomar seu movimento que, além de enfrentar o racismo, enfrentava o machismo.
“A Sueli falava de enegrecer o feminismo, faz uma luta afrolatinoamericana, coloca o enfrentamento ao racismo como uma luta por um direito humano, pensa na noção de panafricanismo…”, enumerou a pesquisadora.
Para ela, Carneiro foi uma das mulheres que ajudou a trazer a luta para a esquerda, já que esse setor “está permeado de racismo e machismo” e em muitos momentos foi cúmplice do apagamento da memória negra. “Se bobear, é até hoje. São as mulheres e pessoas negras que devem levar a esquerda à esquerda. Sempre houve a impressão de que todos os outros conflitos seriam cuidados naturalmente se o conflito de classe fosse resolvido, e não é bem assim”, diz.
Identitarismo?
Santana enfatizou que ainda hoje a pauta do racismo nem sempre é bem recebida na esquerda. Tanto no campo progressista, quanto no conservador, existem aqueles que definem a luta como um movimento identitário. A pesquisadora ponderou que a branquitude é que sim poderia ser vista dessa forma, pois “saiu colonizando e falando que a sua era a única forma de ser”.
Arquivo pessoal
Bianca Santana foi a entrevistada desta quinta-feira do SUB40
“Quando a gente pensa no movimento negro como um grupo identitário, seria um grupo que quer se colocar no poder para reproduzir as opressões cometidas contra ele. Só que, na verdade, quando a gente reclama por direitos, a gente quer justiça e igualdade. Não queremos estar no topo porque significa que alguém está na base, queremos igualdade, mas eu não tenho que abrir mão da minha identidade para falar de igualdade. O debate identitário é perverso, é como se a gente quisesse ocupar um lugar de poder a partir da nossa identidade”, denunciou a jornalista.
Ela inclusive lembrou que os movimentos negros não falam apenas sobre a luta antirracista, falam sobre os direitos das mulheres, os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras…sobre um projeto mais amplo, ainda que seja um movimento auto-organizado de pessoas negras, “só que com uma proposta política que vai além do grupo”.
“Não é como se a gente só soubesse falar de nós e tivesse projetos apenas para a população negra. A Coalizão Negra por Direitos, por exemplo, tem um projeto para o Brasil inteiro”, exemplificou.