O rapper de Fortaleza (embora nascido em Brasília) Don L afirma que sua música representa uma reação ao discurso liberal que ele via no hip-hop, de celebração de conquistas individuais, e não coletivas.
“Coloquei o desafio de imaginar o fim do capitalismo, e não o fim do mundo”, ele resume seu álbum mais recente, Roteiro para Aïnouz Volume Dois, em conversa com o jornalista Breno Altman no programa SUB40 desta quinta-feira (21/07).
Trata-se de uma maneira de inverter o tom derrotista tantas vezes adotado no Brasil, no rap ou fora dele: “a gente gosta da distopia. Todo mundo fica gozando com a distopia, falando da merda em que estamos vivendo. Eu quis falar de vitória, dentro de uma perspectiva coletiva, não individual”.
Assim, o álbum tenta imaginar um Brasil pós-revolucionário, socialista e vitorioso, com “lastro e pé na realidade, mesmo quando cria utopias”. Seu ponto de partida é um autoquestionamento: nossos sonhos são realmente nossos ou são sonhos da publicidade?
Questionado por Altman se o mercado pode “amansar” o rap, ele responde que isso já tem acontecido, não só com o rap, e encontra na política uma possível explicação: “o Brasil exterminou fisicamente boa parte da esquerda. Não houve um julgamento disso, e a gente segue perdendo grandes lideranças assassinadas toda semana. Este país é extremamente violento com a esquerda. Fala-se que é uma democracia, mas até hoje não vi lideranças de direita ser assassinadas no nosso país”.
O resultado, argumenta, é uma esquerda muito contida, acossada por medos fundamentados e mais propensa à conciliação, o que se reflete na música e na cultura.
“O que a esquerda não fez é o que a direita diz que a esquerda fez e a gente deveria ter feito, que é o marxismo cultural”, provoca. “Só dois partidos têm pautas que considero realmente de esquerda, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e a Unidade Popular (UP), mas, no contexto em que estamos, vou acabar votando no Lula mesmo, porque o momento pede para a gente fazer isso”, decifra.
Para Don L, a eventual posse de Lula para um terceiro governo será o começo grandes novos problemas: “O Brasil precisa ser refundado. Lula fez grandes coisas, não diminuo sua história, mas tem coisas que são inconciliáveis. Precisamos tirar um pouco dessa burguesia sanguessuga que está aí desde que o Brasil foi fundado como um experimento colonial. Precisamos ter grandes sonhos”.
Reprodução/Twitter/@joaoinvictor
"Coloquei o desafio de imaginar o fim do capitalismo, e não o fim do mundo”, disse rapper de Fortaleza no programa SUB40 desta quinta-feira
Trilha da revolução
O rapper defende que a música popular brasileira, e não especificamente o rap, é a trilha sonora da revolução no país. “O samba é muito importante. O funk é uma música eletrônica original brasileira, considero que é hip-hop também. A diversidade da música popular brasileira é a trilha da revolução”, concilia.
Don L contesta, por fim, a ideia de que conceitos como revolução, comunismo ou luta de classes estejam ultrapassados em 2022. “Isso é o que os liberais querem fazer a gente acreditar. Não tem nada mais fora do espírito do tempo que o neoliberalismo. O capitalismo é que é o velho. O próprio planeta não aguenta mais viver com esse modo de produção. É socialismo ou barbárie, mesmo. A distopia é legal para quem está no poder usufruindo da desigualdade extrema.”
O neoliberalismo não o convence a cravar outro ídolo político que não seja o cubano Fidel Castro: “a gente tem uma mania de derrotismo na esquerda, mas Fidel conseguiu, com uma ilhazinha desse tamanho, ali na boca do império querendo matar ele a vida inteira, construir uma experiência com seu coletivo, e o cara morreu de velho. É o maior de todos os tempos”.
Estabelecido na cidade de São Paulo desde 2014, o rapper que veio do Ceará se emociona com as fotos da tomada de Havana por Fidel, em 1959, especialmente aquelas que mostram guerrilheiros dando voz de prisão à polícia.