No programa SUB40 desta quinta-feira (18/03), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou o pastor, teólogo, ator e líder da Igreja batista do Caminho Henrique Vieira sobre política e religião.
De esquerda, o pastor contou que foi o Evangelho que “abriu meus olhos para os dramas do mundo”, evoluindo naturalmente da religião para a política: “minha militância surge da minha espiritualidade”.
Por isso, ele afirmou que “Deus é revolucionário, ou revolucionária”: “Biblicamente falando, o chamado de Deus é sempre e permanentemente de quebra de qualquer estrutura de opressão. Se você pega o Êxodo, aí está a base. Deus assume a dor, a lágrima, o grito e as esperanças do povo oprimido. Em Jesus de Nazaré, isso é radicalizado, Deus se faz gente e se faz classe. A ação de Deus é sempre de ruptura”.
Entretanto, três séculos depois do surgimento do movimento liderado por Jesus de Nazaré, a religião derivada dele se tornou oficial no Estado que o matou, daí a transformação do cristianismo num elemento do conservadorismo, segundo Vieira.
“A Bíblia é um livro negro de interpretação branca. Em outras palavras, é um livro que nasce do quilombo, mas é interpretado pela casa grande”, reforçou.
Assim, ele explicou, se produz uma teologia que justifica a realidade que favorece a perpetuação do poder das classes brancas, racistas, escravocratas e capitalistas, “que se transformou em hegemônica por questões materiais”. “A classe dominante, ainda por cima, domina a subjetividade, consegue universalizar sua visão de mundo”, disse.
Isso não significa, contudo, que as igrejas evangélicas, atualmente vistas como as mais conservadoras e as que mais crescem no Brasil, seguem reproduzindo essa ideologia. O pastor contou que não se trata de algo uniforme, há diversidade e, inclusive, presença de teologias negras, feministas, a ecoteologia, todas com perspectivas de organização popular, denúncia de opressões, “de questionamento e luta contra o capitalismo e as questões estruturais e estruturantes”.
Reprodução
Para o pastor Henrique Vieira, esquerda deve se libertar de estereótipos contra evangélicos
“O campo evangélico é plural, majoritariamente popular, negro e feminino, e cresce significativamente nas periferias e favelas. Se as pessoas, e a esquerda, não estão dispostas a dialogar com parte significativa de quem frequenta a igreja evangélica, isso é pré-conceito. Não é que a esquerda está deixando de criar conexões com o campo evangélico, está deixando de fazê-lo com o porteiro do prédio, o entregador de aplicativo, a professora de escola pública”, criticou.
Encontro entre política e religião
Vieira discorreu sobre formas de aproximação entre a esquerda e o mundo evangélico, defendendo uma ruptura de preconceitos, já que, segundo ele, há vários pontos de encontro entre o que defende a ideologia evangélica e a tradição marxista, por exemplo.
“Mas quebrar preconceitos não é tirar foto com o Silas Malafaia. Essa relação com lideranças evangélicas ultraconservadoras é uma relação pragmática, mas não pedagógica, não dialoga com a base e é traiçoeira. Eu falo de uma relação com o povo e um projeto de sociedade. Entendo essa aproximação em termos eleitoreiros, mas isso não sustenta um projeto de construção de sociedade”, argumentou.
Ele também criticou o campo progressista por frequentemente reduzir os evangélicos a pessoas conservadoras e que o serão eternamente. “O diálogo, estabelecido a partir de demandas concretas, é um caminho longo e difícil, mas é o ideal. E não é necessário que quem estabeleça essas pontes seja cristão ou evangélico”, refletiu.
O pastor, que declarou seu voto em Lula, apenas alertou para que, quando essas pontes sejam construídas, não sejam feitas desde uma “perspectiva colonizadora, da esquerda iluminada mostrando o caminho para os evangélicos ignorantes”, relembrando que já existem teologias negras, feministas, entre outras.