No programa SUB40 desta quinta-feira (16/09), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou o escritor José Falero, autor de Os Supridores (Editora Todavia), sobre sua trajetória na literatura.
Em sua obra mais recente, um dos personagens principais, Pedro, fala de Karl Marx para seu amigo, Marques. No entanto, Os Supridores não tem o propósito de explicar o marxismo. “Eu não domino a linguagem do Marx para querer traduzir à linguagem coloquial seus conceitos. Só que aquilo que o Marx viu na sociedade, outras pessoas conseguem ver também, ele só sistematizou”, disse.
Por causa disso, Falero disse não ter receios de que seu livro fosse taxado de panfletário: “Pessoas que usam o termo panfletário são geralmente pessoas em posição de privilégio. Quando a literatura perturba, mete o dedo na ferida e questiona os privilégios é aí que ela é chamada de panfletária”.
Para ele, sua história trata da vida na periferia de forma geral — apesar de se passar em Porto Alegre —, da percepção de um sistema de exploração de injustiças e da revolta contra a opressão de classes.
“O contato de Pedro com o Marx foi casual, começou a ler no ônibus e gostou, mas o que o aproximou da luta dos trabalhadores? Nada. Então faz mais sentido ele ser levado à rebelião, ao tráfico de drogas. Eu sei que a gente precisa organizar essa revolta, mas se ela não é organizada, vai vazar de alguma forma. Quis traçar um paralelo entre a injustiça e a violência urbana”, explicou.
Ele descartou que a opção dos personagens tenha a ver com uma subversão de valores que aconteceria na periferia, já que desde o princípio os valores são relativos e estão sujeitos a como cada pessoa experimenta a sociedade.
“Como uma pessoa que não tem onde dormir experimenta a sociedade? Que tipo de valor ela vai poder construir? Se for do interesse de alguém que a gente tenha um conjunto de valores parecidos, que é o que tentam forçar as leis, as pessoas precisam experimentar a sociedade de maneira parecida, é necessária justiça social”, argumentou.
‘A escrita me ressociabillizou’
Vindo ele próprio da periferia de Porto Alegre, Falero contou sobre sua relação com a literatura até se tornar escritor. Confessou que, quando jovem, não gostava de ler até que, graças à irmã, pegou gosto pela prática.
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Para o autor de ‘Os Supridores’, sua história trata da vida na periferia de forma geral
“Ler me transformou em outra pessoa. Comecei a notar que havia histórias e formas que só a literatura poderia apresentar. Eu lia qualquer coisa e acho que isso também acabou aprimorando meu senso crítico”, discorreu.
Por outro lado, o escritor revelou que a literatura o distanciou de seus amigos, pois ele só queria ficar em casa lendo. Entretanto, ao mesmo tempo que “me apartou do meu meio social, possibilitou que eu lançasse um olhar crítico para esse lugar que eu vivia e resgatasse o sentimento de pertencimento”.
A escrita, que Falero via como uma consequência inevitável de ler, terminou por concluir essa reaproximação, principalmente quando o escritor incorporou a linguagem coloquial em suas obras.
“Lembro que meus companheiros, que não liam, leram coisas que eu publiquei nas redes sociais e me contaram que não conseguiam parar de ler. Com a minha primeira obra, que eu ia nas casas entregar os livros, lembro de me encontrar com pessoas que nunca tinham tido um livro ou lido, mas que queriam ler o meu. Acho que isso tem a ver com a linguagem e eu levei isso para Os Supridores que, no começo, não tinha nada de oralidade”, relembrou.
Nesse sentido, ele disse também que a escrita o ressociabilizou. Ele, que havia deixado de sair de casa e abandonado sua vida social, de repente precisou sair para entregar seus livros, ir a eventos de promoção e conversar com alunos em escolas. Graças a isso, ele foi capaz de voltar aos estudos, que havia abandonado no Ensino Médio, e concluir o Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Atualmente, Falero está por lançar um livro de crônicas e está trabalhando num novo romance, cujo título provisório é “Quase homem”.
“É sobre masculinidade. Da mesma forma que os brancos precisam refletir sobre sua branquitude e posição de privilégio sobre a população negra, os homens precisam refletir sobre sua posição de privilégio sobre as mulheres”, ressaltou.