No programa SUB40 desta quinta-feira (01/04), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou Pedro Borges, jornalista criador e editor-chefe do portal Alma Preta, agência especializada na temática antirracista.
Sobre o veículo, Borges contou que o criou com colegas de faculdade em 2015, quando estava a ponto de terminar o curso de Jornalismo, na Unesp, ao identificarem que ainda havia “muito espaço para experiências de mídia negra, é um tema que está muito em voga”.
Atualmente, graças ao Alma Preta e outros projetos, ele disse enxergar “um ecossistema digital de mídia negra”. Por outro lado, o jornalista denunciou o racismo ainda muito presente na grande imprensa.
“Os meios tradicionais até estão se abrindo para contratar mais profissionais negros, por exemplo, mas não por uma compreensão da importância do tema. Primeiro que existe uma pressão social e segundo que existe uma demanda do mercado para isso, que é o que realmente interessa. Se não tiverem diversidade, perdem dinheiro”, criticou.
Para ele, o passo definitivo para uma mídia antirracista seria a mudança das linhas editoriais da grande imprensa.
“Não dá pra ser antirracista e defender a reforma da previdência, por exemplo. Todas as reformas que a grande imprensa abraçou são racistas. Acho que abraçam a luta contra o racismo mais como vitrine do que como desejo real de transformar a vida da população negra”, ponderou.
Entretanto, isso não significa que o movimento negro não deva ou não dialogue com esses canais, “porque eles também atingem o nosso povo”, principalmente no Brasil de Bolsonaro, em que “o discurso racista é calculado” e convincente, usado para dar coesão ao governo, segundo Borges.
“A classe média se ferra também, do ponto de vista da materialidade. Sofre o impacto do preço da gasolina, da mensalidade da escola dos filhos, mas segue comprando o discurso de Bolsonaro. Os pobres levam mais em conta a questão material do que a discursiva: antes tinha comida na mesa, agora não tem mais”, refletiu.
De qualquer forma, o jornalista se mostrou otimista em relação à luta antirracista. Segundo ele, está ocorrendo uma “mudança no jogo” pois já não se escuta mais que no Brasil o racismo é velado, “os racistas saíram do armário de maneira muito forte”. Ele reforçou que essa foi uma conquista do movimento negro, que rompeu com o mito da democracia racial, de modo que o racismo passasse a ser reconhecido e discutido, “então agora a luta é outra, dura também e difícil, mas acho que caminhamos para uma vitória”.
Alma Preta
Aí entra, também, o trabalho da equipe do portal Alma Preta: “nossa grande provocação é que a raça é o pano de fundo da desgraça brasileira. Onde existe problema, os negros são os que se ferram mais”.
Reprodução/Facebook
Pedro Borges foi o entrevistado desta quinta-feira (31/03) do SUB40
Por isso, ele explicou que todos os temas interessam ao portal, que não se limita a realizar coberturas apenas de casos de discriminação racial, por exemplo.
“Olhamos para os grandes fatos e como eles impactam a vida da população negra. Queremos fazer um jornalismo educativo e investigativo, olhar para os temas a partir do nosso prisma e mostrar como eles impactam a vida da população. Isso eu acho que é inovador”, destacou.
Outro objetivo do portal é combater o negacionismo que, apesar de estar diminuindo, como comentou Borges, ainda existe e é encarnado por pessoas como Sergio Camargo, que presidia a Fundação Palmares.
“A gente tentou tratar o tema do Sergio Camargo com bom jornalismo, mas eventualmente paramos de fazer aquele jornalismo declaratório que só dava visibilidade à cortina de fumaça dele. Passamos a analisar do ponto de vista da Constituição as funções da Fundação Palmares e apontar tudo que deveria se fazer e não estava sendo feito, por exemplo o reconhecimento de comunidades quilombolas”, discorreu o jornalista.
Segundo ele, que também é um dos autores do livro colaborativo AI-5 50 anos – Ainda não terminou de acabar, Camargo “representa toda a política que os militares tinham para a população negra, de negação de todo o discurso do movimento negro, negação da violência, do racismo, de que somos maioria, personifica a toda a antipolítica do discurso negro”.
“Felizmente, acho que estamos vivendo uma onda mais progressista e que Camargo não tem expressão entre a maioria da população negra. Ainda assim ele atinge uma quantidade de pessoas relevante, dialogando principalmente com uma classe média branca frustrada em dividir espaços com a população negra e cansada de segurar seu racismo. Nas eleições teremos que ter cuidado para não eleger alguém como ele, que já disse que vai ser candidato a deputado federal”, enfatizou.