Na edição do programa SUB40 desta quinta-feira (05/03), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou o historiador e youtuber marxista Humberto Matos sobre sua trajetória como militante e a atual conjuntura brasileira.
Para ele, a esquerda precisa “juntar seus cacos”, pois vem sendo atacada com muita violência, principalmente após o golpe de 2016. Sem se concentrar, no entanto, apenas em eleições. Pensando, isso sim, em criar novos horizontes políticos, firmar novas lideranças, ocupar espaços de discussão.
“Cada líder de esquerda precisa ocupar o seu espaço. Isso significa entender a dimensão que cada um tem dentro da militância. O Lula, por exemplo, é a maior liderança do PT, que ocupe esse espaço. Não significa exigir dele um perfil revolucionário, porque isso nunca teve, mas exigir que se faça presente nos espaços que sempre teve junto aos sindicatos, ao MST, à classe trabalhadora”, defendeu.
O youtuber também se posicionou contrário a uma frente ampla para vencer Jair Bolsonaro em 2022 “a qualquer custo”, porque “já vimos que tem um custo perigoso”. Ele acredita que alianças são importantes, mas que sejam construídas a partir de orientações políticas semelhantes, “não só juntando nomes para somar votos”.
Essa estratégia se faz especialmente necessária considerando que Bolsonaro ainda conta com uma forte base de apoio. Matos explica esse fator como sendo resultado da rede de disseminação de informações do presidente. “O exército de bots, as fake news, os canais de Youtube, são todos muito eficientes. Furar essa bolha é muito difícil. Estamos conseguindo, também por conta do genocídio diário que estamos vivendo, mas justamente diante dessa realidade, era para ele estar muito mais desconstituído do que está”, avaliou.
O youtuber lamentou o papel da grande mídia de massa, que poderia estar contribuindo mais para desmoralizar Bolsonaro, “mas não o faz porque não é interessante”. “A mídia não tem um problema com o Bolsonaro, tem um problema com não estar participando do poder. Eles não querem uma mudança, querem um representante seu mais legítimo”. afirmou.
Falando sobre o atual presidente, Matos disse que ele é fruto de uma crise de estrutura prolongada do capitalismo.
“Bolsonaro não é algo aleatório, ele surgiu quando foi necessário aumentar a transferência da nossa riqueza para a centralidade global, porque o Brasil estava se associando a um outro eixo durante os governos do Partido dos Trabalhadores. Não era um governo revolucionário, mas que colocava restrições ao que o capital queria por ter uma raiz popular, apoio da classe trabalhadora, aliança com os BRICS. Então tudo foi subvertido para tirar o PT do poder. O produto dessa campanha violenta e perigosa foi o fascismo”, explicou.
Economia e marxismo
Seguindo essa linha de argumentação, Matos afirmou que o capitalismo nos condena a viver cada vez pior e que a pandemia escancarou os limites do sistema, vendido como muito eficiente.
“O capitalismo não é eficiente e a pandemia está mostrando isso. Não estamos mobilizando recursos para superar a pandemia por causa dos entraves do capitalismo. Quando olhamos a experiência em países de transição socialista, como Vietnã e Cuba, vemos que estão produzindo resultados muito mais satisfatórios”, argumentou.
Nesse sentido, ele é taxativo: “quanto mais liberal, pior”. Matos citou o colonialismo e o militarismo como outras ferramentas de manutenção do sistema
“O neoliberalismo é o estágio superior do imperialismo, a nova forma de colonialismo. Escraviza países do ponto de vista econômico, impedindo-os de se desenvolver plenamente. No caso dos militares, eu como marxista entendo que o Estado é um instrumento da classe dominante, uma classe capitalista. Os militares são o braço armado do Estado. Portanto, defendem a classe dominante”, afirmou.
‘Quando cheguei no YouTube, era tudo mato’
A trajetória de Humberto Matos na política começou quando ele era pequeno, mas não da maneira como se espera de um militante da esquerda radical. Ele contou que sua mãe, professora do magistério, tendia à direita – posição que abandonou ao longo dos anos, identificando-se mais com a esquerda, atualmente. “Minha mãe era arenista e teve até uma época malufista”, contou o youtuber.
Seu primeiro contato real com a política foi quando entrou na faculdade de História e ouviu falar por primeira vez em Karl Marx. “Eu achava mais contundentes as respostas que o marxismo dava”, recordou.
Foi durante essa época que procurou um partido para se filiar e se engajar em movimentos sociais, inscrevendo-se no PSOL. “Mas foi só quando me tornei professor que senti uma necessidade maior de ir além da educação”, resgata. “Era ingênuo pensando que só a minha atividade pedagógica transformaria o mundo”.
Matos relatou um pouco da sua experiência como professor e como logo no início da carreira teve de confrontar realidades muito opostas: “Dava aula numa escola das comunidades mais pobres, que as crianças iam para comer. Faltava tudo. Ao mesmo tempo, dava aula num dos colégios particulares mais caros. Tinha alunos que iam de Camaro para a aula sem nem ter 18 anos”.
“Eu tinha realidades muito opostas escancaradas no meu dia a dia e via a brutalidade da disparidade de oportunidades que a desigualdade produzia na vida daquelas crianças. Aquilo não era razoável, não bastava atuar só fazendo pequenas coisas, precisava ir além e ajudar a transformar a realidade com mais intensidade”, disse.
Assim, Matos criou seu canal no YouTube, em 2015, para tentar levar a consciência de classe para mais pessoas. “Quando eu cheguei era tudo mato, se dizer marxista era um sacrilégio, as pessoas não viam os vídeos”, confessou.