Sexta-feira, 16 de maio de 2025
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Mais de 15 milhões de cidadãos chilenos vão às urnas neste domingo (17/12) para definir se a atual Constituição chilena, costurada na ditadura militar de Augusto Pinochet, em 1980, será abandonada por uma nova Carta Magna.

O documento vigente até os dias atuais foi duramente questionado durante o fervor do “estallido social” em 2019, marcado por uma série de protestos em todas as regiões do país e que pressionou o governo neoliberal do então presidente Sebastián Piñera, de direita, por mudanças. Este que, por sua vez, usufruiu das ferramentas de repressão do Estado em uma fracassada tentativa de coibir a postura da população chilena diante da crise social, despertando ainda mais o sentimento de injustiça e uma exigência para o descarte da Constituição em vigor em forma de abandonar os resquícios ditatoriais que assolavam (e assolam) a democracia do Chile.

No entanto, desta vez, o texto reformulado pelo Conselho Constitucional, eleito com uma maioria de representantes da extrema direita, coloca em questão alguns tópicos confrontados pelo progressismo chileno, o que gera uma contradição aos direitos exigidos durante as manifestações de quatro anos atrás. 

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Especialistas consultados por Opera Mundi avaliam que as propostas apresentadas neste novo projeto, diferente do texto que foi rechaçado em setembro de 2022 com 62% de votos, ameaçam o “bem-estar social” que, na medida do possível, tem se construído no país ao longo dos anos, ainda que de forma mínima.

“O que está em jogo nesta votação é o modelo de desenvolvimento e o julgamento crítico da classe política. A primeira tem a ver com a forma como os chilenos construíram, nos últimos 50 anos, a sua ideia de política e desenvolvimento. Se essa nova Constituição for aprovada, significa o triunfo do modelo neoliberal. Se for rejeitado, os cidadãos estariam exigindo um verdadeiro modelo de desenvolvimento social e político”, explicou a Opera Mundi o sociólogo chileno Pablo Camus, decano da Faculdade de Educação da Universidade de Antofagasta.

Camus aponta ainda outro ponto importante para o texto em questão a ser votado: “a classe política tem demonstrado a sua incapacidade de chegar a acordos. A opção contra vencer significaria desferir um golpe na classe política incapaz de resolver os problemas estruturais dos cidadãos”.

Criticado pelos articulares do primeiro texto – de caráter progressista e de esquerda –  o novo projeto causaria um “retrocesso” em algumas áreas, fato que é equiparado ao golpe da ditadura militar de 1973, em que os valores da tradição chilena foram submetidos a um modelo econômico para o qual a ética, a proteção dos direitos da minoria política, das mulheres, das crianças e dos idosos, em termos de geração de condições mínimas como a de saúde e de pensões, foram retirados do pilar prioritário. 

Percorrendo um caminho contrário, o Conselho Constitucional, responsável pela elaboração do projeto, entregou um modelo neoliberal focado no fortalecimento da propriedade privada e na precarização de empregos.

A Opera Mundi, Pablo Camus e Álvaro Duran apontam retrocessos nas propostas do projeto apresentado pelo Conselho Constitucional, liderado pela extrema direita e que é votado neste domingo (17/12)

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Especialistas chilenos apontam ‘retrocessos’ nas propostas do novo projeto apresentado pelo Conselho Constitucional

“Qualquer cenário, seja com a Constituição de 1980 ou com esta nova, para os setores conservadores chilenos e os partidos de direita, é um ‘ganha-ganha’”, afirmou à reportagem Álvaro Duran, advogado chileno especialista em Direito Ambiental e Indígena, que avalia que o novo documento danificaria ainda mais a democracia chilena. 

Para ele, esse momento está sendo posto em debate “restrições piores do que o que estava previsto na Constituição de 1980 que, ao longo do tempo, foram desfeitas no âmbito dos direitos das mulheres e em questões relacionadas com a um modelo de saúde e de previdência”.

Duran destaca uma das principais polêmicas em relação ao atual debate constitucional: a “proteção à vida do nascituro”. Para o advogado, o “aborto por via constitucional”, aprovado pelo Conselho formado por uma maioria de extrema direita, apresenta uma restrição ainda mais severa do que as normas que vigoram hoje. 

Em 2017, a Lei do Aborto foi aprovada durante a gestão da então presidente Michelle Bachelet como um direito à mulher, possibilitando o uso dela em três ocasiões: gravidez com risco de vida para a gestante, inviabilidade do feto e gestação fruto de violência sexual. “O espectro constitucional atual se diferencia do primeiro [projeto rechaçado] com relação aos direitos humanos muito mais restritos”, afirmou Duran.

A insegurança em relação ao “aprovo” ou “rechaço” neste domingo paira sobre toda a população. As últimas pesquisas chilenas têm mostrado uma tendência voltada a mais um veto. No entanto, especialistas acreditam ser prematuro definir algum resultado para o plebiscito. 

Há muitos anos, o Chile vive em uma crise social e política. As falhas identificadas em seu sistema neoliberal e, consequentemente, seu impacto na deterioração do tecido social e ético, ganhou dimensões ao longo do tempo. Nesse cenário, o sociólogo Camus avalia a necessidade de um modelo que coloque o “bem-estar social” no centro da discussão, englobando pautas voltadas a aposentadorias dignas, acesso à educação e saúde de qualidade.

“Se for rejeitado, teremos que abrir um debate profundo para maximizar as dimensões do bem-estar, seja para reformular o texto atual, seja para projetar outro texto constitucional”, disse ele após alertar os riscos da Carta de Pinochet que, com o possível rechaço do novo projeto, acabaria continuando em vigor. “Precisamos encerrar este capítulo. Mas não fechar olhando para o outro lado, embora já saibamos quão medíocre é a capacidade da classe política de ler as necessidades dos cidadãos e a forma de respondê-las”, afirmou a Opera Mundi.