O Chile definirá, em referendo programado para este domingo (17/12), se o texto elaborado pelo Conselho Constitucional, eleito em maio passado com ampla maioria de representantes da extrema direita, será consagrado como a nova Constituição do país, substituindo a Carta Magna imposta em 1980 pelo ditador Augusto Pinochet e vigente até os dias de hoje.
As pesquisas de opinião mais recentes indicam um cenário pouco previsível. A opção a favor da aprovação do texto conta com uma baixa adesão, variando entre 10% e 15% dependendo da sondagem. Por sua vez, o voto pela opção de rechaçar o texto mantém um patamar entre 30% e 33%.
O que chama atenção é o índice de mais de 40% de indecisos em todas as medições e o fato de que a lei chilena proíbe a publicação de pesquisas nos últimos 10 dias antes de uma votação, o que impede saber qual será a tendência que esse grande número de eleitores irá adotar.
Nas ruas, a discussão sobre o processo não passa somente pelo conteúdo do projeto apresentado pelo Conselho Constitucional, que é a segunda tentativa de se oficializar uma nova Constituição chilena. Também se debate a comparação desse novo projeto com o primeiro, que foi elaborado meses atrás pela frustrada Convenção Constitucional, cujo texto foi a referendo no dia 4 de setembro de 2022 e acabou sendo rechaçado, com 61,9% de votos contrários.
Veja a seguir algumas das diferenças mais importantes entre os três textos constitucionais: o projeto que irá a referendo no próximo domingo, a proposta que foi rechaçada em 2022 e a atual Constituição chilena, vigente desde 1980.
Estado social e democrático
O texto da atual proposta constitucional chilena afirma que o Chile está “organizado em um Estado social e democrático de direito, que reconhece os direitos e liberdades fundamentais e promove o desenvolvimento progressivo dos direitos sociais, sujeito ao princípio da responsabilidade fiscal e através de instituições estatais e privadas”.
A proposta rejeitada em setembro de 2022 tinha praticamente o mesmo enunciado, mas as poucas palavras a menos deste novo texto fazem uma grande diferença, já que foram retiradas as menções a que se trataria, também, de um Estado “plurinacional, intercultural, regional e ecológico”. Essas definições foram excluídas por iniciativa dos setores de extrema direita que formam a maioria do atual Conselho Constitucional.
Porém, o trecho não se diferencia muito da atual Constituição, exceto pela introdução do conceito de “desenvolvimento progressivo dos direitos sociais”, que não está contemplado na Carta Magna legada pelo ditador Pinochet.
Sistema político
O sistema presidencialista nunca se manteve em risco durante o processo constitucional chileno. Está estabelecido na atual Carta Magna, e seria mantido se o texto da Convenção Constitucional não tivesse sido rechaçado em 2022, e continuará vigente caso a atual proposta, do Conselho Constitucional, obtenha os votos necessários no referendo de domingo.
A principal diferença entre os três textos constitucionais está na formação do Poder Legislativo. Atualmente, o Chile conta com um Congresso bicameral, conformada por uma Câmara de Deputados com 155 integrantes, enquanto o Senado possui 50 membros.
A proposta que irá a referendo no dia 17 de dezembro mantém a bicameralidade e a formação do Senado tal como está, mas diminui a quantidade de vagas na Câmara para 138.
Além disso, será criado um mecanismo no qual cada partido precisará ter ao menos 5% dos votos a nível nacional para poder obter cargos em alguma dessas duas instâncias.
Ainda assim, trata-se de uma mudança mínima com relação ao sistema atual. Diferente do que propunha o texto rejeitado em 2022, que previa um Congresso unicameral, com o fim do Senado – situação que fez com que até mesmo alguns senadores de partidos de centro-esquerda apoiassem a campanha contra a proposta no referendo.
Paridade de gênero
Outra mudança significativa no sistema político é a substituição do termo “paridade de gênero” na eleição de cargos públicos, pelo que defende um “acesso equilibrado de mulheres e homens a cargos eletivos”. O texto não determina nenhuma regra sobre como deverá ser garantido esse “equilíbrio”.
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População do Chile irá votar em novo plebiscito constitucional neste domingo (17/12)
A atual Constituição, legada por Pinochet, não estabelecia uma quantidade mínima de cargos para mulheres, mas o projeto de lei de 2021, que estabeleceu que o processo constituinte fosse regido por assembleias com “paridade” – ou seja, com igual representação de homens e mulheres – parecia um indício de que essa definição tinha grandes chances de estar em um futuro texto constitucional.
Ademais, a Convenção Constitucional tentou um avanço ainda maior, já que defendia que a paridade fosse estabelecida não só no Poder Legislativo como também entre cargos de nomeação da administração pública. Ou seja, tanto a Presidência quanto as prefeituras seriam obrigadas a nomear uma quantidade paritária de ministros e ministras, ou secretários e secretárias, no caso dos municípios. Alguns analistas consideram que esse foi um dos itens que levou ao rechaço dessa proposta constitucional em 2022, ao afastar o voto masculino.
Coletivos feministas chilenos, porém, consideram que a proposta que irá a referendo neste domingo é um retrocesso, já que o uso do termo “equilíbrio” pode terminar se tornando só uma intenção, pois não obriga a institucionalidade a se comprometer com uma quantidade específica de vagas femininas.
Representatividade indígena
A questão semântica também está no centro da polêmica com relação ao reconhecimento das nações indígenas chilenas.
A proposta que será submetida a referendo afirma sobre os povos indígenas que a Constituição “reconhece os povos indígenas como parte da Nação Chilena, que é uma e indivisível. O Estado respeitará e promoverá os seus direitos individuais e coletivos garantidos por esta Constituição, pelas leis e tratados internacionais ratificados pelo Chile e que estejam em vigor”.
Em outro trecho, se acrescenta que o Estado “reconhece a interculturalidade como um valor da diversidade étnica e cultural do país e promove o diálogo intercultural em condições de igualdade e respeito recíproco”.
Ambas as definições, porém, distam bastante do conceito de “Estado plurinacional”, que formava parte do artigo primeiro da proposta de 2022, com o qual se reconhecia explicitamente as nações originárias que vivam no território chileno antes da colonização.
Além disso, a “plurinacionalidade” que constava no texto de 2022 previa uma série de mecanismo de representação mínima dos povos indígenas dentro da institucionalidade, nenhum dos quais foi aproveitado no texto desta segunda proposta constitucional.
Ainda assim, os parágrafos acima mencionados seriam um pequeno avanço em comparação com a atual Constituição, que sequer menciona a existência dos povos indígenas.
Cláusula antiaborto
Uma das principais polêmicas da atual discussão constitucional foi a inclusão do parágrafo que estabelece a “proteção à vida do nascituro”, que foi aprovada pelo Conselho Constitucional graças à bancada de extrema direita, que impôs sua ampla hegemonia dentro do colegiado.
Essa lei coloca em risco a constitucionalidade da Lei do Aborto, aprovada em 2017, durante o segundo mandato da então presidente Michelle Bachelet, e que estabelece o direito ao aborto em três situações: gravidez com risco de vida para a gestante, inviabilidade do feto e gestação fruto de violência sexual.
Assim, o texto que irá a referendo neste domingo alcançaria o mesmo efeito da atual Constituição chilena, que não possui cláusula sobre “proteção à vida do nascituro” porque vai direito ao assunto: incluir o aborto como uma prática ilegal de “contra a vida humana”.
Por sua vez, a proposta constitucional rejeitada em 2022 ampliava o instrumento legal estabelecido por Bachelet e previa o direito ao aborto em qualquer circunstância.