Sábado, 14 de junho de 2025
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Ele estava lá sozinho olhando as estantes. Um ir e vir lento na oitocentos e treze. Sim, classe oitocentos e treze é romance estadunidense na Classificação Decimal Dewey. Ele conhece bem este canto da biblioteca, mas hoje tinha algo diferente.

– Bom dia, seo Deolindo. Tava difícil de escolher o livro hoje? Demorou mais que o de costume?

– Pois é, a estante tá ficando pequena, já li bastante romance dali…

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Os olhos estavam baixos, o rosto sempre sereno, estava um pouquinho apagado. Não pude evitar a pergunta:

– Como tá a Dona Maria?

– Ela não fala mais, está triste. Não quer sair, não quer ler…não quer vir mais na biblioteca. Outro dia levei um livro pra ela, nem olhou…está desistindo…é o Alzheimer.

Deolindo e Maria vêm juntos na biblioteca há uns cinco anos. Ela, é antiga frequentadora, há muitos anos empresta livros na Monteiro Lobato. Ele, completou o par de leitores após a aposentadoria. Um doce caso de mediação.

Na última vez que vi Maria na biblioteca, ela nada falou, tinha olhar alheio e impessoal.

Deolindo interrompeu meu instante de lembrança:

– Trabalhei na Companhia Light, entrei lá no ano de 1959. Era leiturista, fazia o atendimento de reclamações, trabalhava nas ruas. Andei nesse centro de São Bernardo, Santo André e São Caetano por anos.

Continuou:

– Naquele tempo, só conhecia a biblioteca pela fachada de tanto passar em frente. Foi depois que minha velhinha me convenceu a vir com ela, não parei mais.

O rosto do seo Deolindo mudou, ganhou vida ao falar do trabalho e da companheira, esboçou um sorriso. Eu dei corda e ele falou mais da Light, da sede no Viaduto do Chá (hoje o shopping Light), das histórias e dos companheiros de trabalho.

– Muito obrigado pelo papo, rapaz. É bom espairecer e lembrar das coisas boas.

A vida de trabalho e amor entrelaçados. 

Deolindo pegou o livro e se foi. A manhã de sexta-feira ficou preenchida com o lirismo da história desse ex-funcionário da Light e de sua amada mediadora de leitura, Maria.

A manhã de sexta-feira ficou preenchida com o lirismo da história desse ex-funcionário da Light e de sua amada mediadora de leitura, Maria

Pixabay

‘Ele estava lá sozinho olhando as estantes. Um ir e vir lento na oitocentos e treze’