– Eu fiquei 1072 minutos sem tomar gol, foi muito bom, era tudo muito bom.
Ontem à tarde, na entrada da biblioteca, o Alexandre e o Eli batiam um papo. O Alexandre é um companheiro de trabalho, é guarda patrimonial. O Eli… ah, o Eli eu conheço faz tempo, desde os anos 80 do século passado. O curioso é que o Eli me conheceu só ontem. Eu vou tentar contar a história.
O time bom da cidade de São Bernardo do Campo em meados da década de 70 era o Aliança Clube Rudge Ramos. Em 1975, o Aliança faturou o Desafio ao Galo, torneio bamba da várzea paulistana. Os jogos eram domingo de manhã, transmitidos pela Tv Record, primeiro na Rua Javari, campo do Juventus, depois no CMTC Clube. O time azul do ABC venceu o Super Galo e ficou famoso.
Em 1976, o Aliança Clube foi disputar a Segunda Divisão do Paulista. Glória e um vice campeonato numa disputa histórica com o XV de Jaú. Disputou como Aliança até 1981, quando se fundiu com o Esporte Clube São Bernardo, que estava de licença desde o início da década de 60.
É aqui que o Eli entra no gol, exatamente na transição do Aliança para São Bernardo.
Antes, o Eli Graciano, que nasceu em 1960 e começou tudo em 1975 na escolinha do seu José Rossi, tentaria sorte no São Paulo, levado pelo ex meia, Jaiminho. Não rolou. Em 1978, ele voltou para São Bernardo, treinou nas categorias de base e estreou em 1981 no Aliança como profissional. Em 1982, o Aliança virou EC São Bernardo e o titular era o Eli.
– O time era bom e na segunda divisão do Paulista não tinha jogo fácil. Era pedreira em cima de pedreira. Mas, a gente seguia.
Os olhos brilham e a vida das traves parece ainda muito perto desse cara que jogou muitas partidas no Baetão e no Primeiro de Maio e fechava o gol.
Entrei de vez na conversa:
– Velho, você era bom mesmo, sabia sair do gol e ligava as jogadas rápidas, assisti você.
Volto no tempo e lembro que o único jogo que eu vi num estádio de futebol com o meu irmão foi um amistoso do Aliança não lembro com quem. O Eli tava lá e meu irmão disse:
– Esse negão é foda, goleiro bom, sabe sair do gol e ligar jogadas rápidas, coisa rara em goleiro brasileiro.
Fui pouco original, repeti as palavras do meu irmão trinta e oito anos depois. A diferença é que pude dizê-las para o próprio Eli. Acho que em algum lugar nesse momento o meu irmão sorriu.
– Tinha o Silvano na ponta esquerda, o Zecão , o meu irmão Vicente, que era lateral esquerdo. Não era fácil ganhar da gente. Depois eu sai, rodei o interior de São Paulo e joguei até no Moto Clube do Maranhão.
A conversa fluiu, o Alexandre ficou assistindo admirado, ele não conhecia o Eli goleiro, mas conhece o Eli que batalha todo dia nas ruas como vendedor da Eletro Fio. Histórias que se complementam.
Poderia seguir ali na conversa por horas, mas há o trabalho e o tempo é outro.
Na despedida, disse ao Eli que ele seria sempre bem-vindo na biblioteca e que o encontro foi uma viagem em nossas histórias.
O Eli sorriu, creio que tenha entendido o que eu disse, pois o goleiro de verdade nunca perde o reflexo. Foi embora o Eli na tarde nublada de São Bernardo, ágil como era no tempo das traves, atento, pois o jogo da vida não se encerra com o apito.
Reprodução
Eli foi goleiro do São Bernardo, jogava pela segunda divisão do campeonato Paulista.