Nós nunca nos esquecemos quando mudamos de casa na infância, sobretudo quando a vida muda muito com esse deslocamento de móveis, corpos e prioridades.
Em 1973, minha família saiu da Avenida Kennedy e fomos morar quatro quarteirões acima na Rua Ipiranga na Vila São João em São Bernardo do Campo.
Mudanças de ambiente, de rumo, mas os hábitos arraigados da casa permaneciam. Um deles era o rádio sempre ligado, quase sempre ditando o humor de todos.
No ano em que o desespero era moda, tocava incessantemente na rádio uma música que todo mundo sabe cantar, nem todos sabem de quem é e que certamente nem o autor imaginaria que ela faria tanto sucesso:
“Eu quero é botar meu bloco na rua
Brincar, botar pra gemer
Eu quero é botar meu bloco na rua
Gingar, pra dar e vender”
É um verso que certamente o tempo não banalizou. Mas, naquele 1973 de ditadura ganhou um amplo sentido. A música que poderia ser alegre, que poderia ser triste, que poderia ser de desbunde, que poderia ser resistência virou sucesso popular.
O autor, Sergio Sampaio, era homem de referências, de Cachoeiro de Itapemirim como Roberto Carlos, apadrinhado por Raul Seixas e tinha como principal influência o próprio pai, Raul Sampaio, um compositor bissexto.
O fato é que aos sete anos eu não tinha esse punhado de referências e tampouco a noção de que uma música tinha tanto poder. O poder da rádio e da música é que me faziam caminhar, as informações e as interpretações vieram depois. Eu apenas fixei a melodia para sempre e aprendi os versos.
Toda vez que ouço essa canção histórica eu fico atento. Não, não me vêm as histórias todas automaticamente, felizmente a canção não tem esse peso. A cada tempo vem uma lembrança e o alerta para nunca “dormir de touca”.
O tempo passou e fui gostando mais e mais de Sergio Sampaio. Incorporei outras canções do capixaba que gostava de cantar samba, de choro e de baladas dolorosas e confessionais.
Já faz um bom tempo que 1973 se foi, de lá pra cá eu mudei de casa várias vezes, já não tem rádio que toca “Eu quero botar meu bloco na rua”, mas ela sempre volta.
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