Hoje é aquele dia em que você vai receber o abraço mais quente e um cartão que diz: você é o melhor pai do mundo. Deve ser bom ser o melhor pai do mundo. Principalmente porque é um título conquistado com o suor dos sorrisos, brincadeiras e passeios nos finais de semana. E você será lembrado como o paizão que é – o melhor do mundo – por ter pescado com seus filhos, ensinado-lhes a andar de skate e até pelas brincadeiras acrobáticas, que renderam ao seu caçula um pé quebrado, o que para sempre se tornará uma história pra ser contada aos risos: meu pai era maluco! O melhor do mundo.
Nós, mães, também temos nosso dia de sermos as melhores do mundo. É verdade que os motivos são bem diferentes. Você mesmo já deve ter ouvido, senão afirmado que: a minha é a melhor mãe do mundo, abriu mão de tudo pra cuidar de mim. Criou três filhos sozinha, trabalhava feito louca, mas nunca deixou faltar nada. Virava as noites acordada ao meu lado, enquanto eu ardia em febre.
A melhor mãe do mundo é a personificação de Maria, mãe de Deus, mas fato é que, por melhor que ela seja, nunca será boa o bastante. Afinal, o menino está brigando na rua, cadê a mãe dele? Que falta de educação, sua mãe não te ensinou a ter respeito? Está falando palavrão, você não tem mãe não?
É sempre a mãe que falta.
Desculpa a língua amarga, o sorriso irônico, deve ser o cansaço. Eu sei que você é sim um paizão muito legal, como sei também que é mais fácil ser legal quando se pode dormir. Já viu como são leves as pessoas que dormem? E como são bem-dispostas e bem-humoradas as pessoas que, na primeira choradeira, entregam o bebê para a mãe, concluindo: acho que quer mamar. Eu sei que você é um pai bacana e sensível, tão sensível que pode até proteger seu filho da tortura da escovação de dentes: já foi suficiente, né? – interrompendo a mãe, que insiste na higienização apesar do choro do bebê. Você tem o direito de ser herói, pois não precisará se preocupar em manter a boca da criança limpa e saudável, sempre haverá alguém para garanti-lo.
Alguém: a mãe.
Mas hoje é dia dos pais e eu lhe desejo um dia feliz, mesmo não conseguindo dizer parabéns, assim com todas as letras. Adquiri essa deficiência tão logo me tornei mãe, mas tenho certeza de que não lhe fará falta. Nunca lhe faltaram aplausos e olhares admirados quando você passeava com o bebê no colo, nem lhe faltaram elogios quando você, nossa, trocava a fralda da criança. E nunca deixaram de te exaltar por “ajudar” a mãe a cuidar de seu próprio filho.
Te jogo essas palavras duras, mas juro que não é pessoal. Na realidade, é coletivo e estrutural. Sei que pra você pode parecer revolucionário: seu pai jamais trocou uma fralda, nem o pai dele, nem o pai do pai dele. Então, sim, isso que você faz de brincar e conversar e dar afeto já é um avanço. Parentalidade ativa, é assim que chamam hoje e tudo isso é muito bonito. Mas não basta. Não chega perto de bastar. Eu sei que sou dura, mas, olha, a compreensão você já tem. A condescendência você já tem, você nasceu com ela e não há nada que eu odeie mais.
Sei também que, se você olhar em volta, vai ver um tanto de pais negligentes, que abandonaram seus filhos, pagando ou não pensão. Vai ver pais violentos, vai ver pais abusadores. E aí vai parecer que você é a última gota de água do deserto (poupem-me dessa história de coca-cola) mesmo. Mas não quero nivelá-lo por baixo, melhor pai do mundo. Quero nivelá-lo por cima: com a mãe.
Já pensou em quem está trabalhando para que lhe seja possível ser o melhor pai do mundo? Quem limpa a casa? Quem levanta de madrugada para acudir o bebê? Quem estuda o cartão de vacinação, quem pesquisa sobre os pediatras, quem mantém a criança limpa e alimentada, quem perde a rodinha de violão em volta da fogueira pra passar a noite correndo atrás dos filhos?
O que eu quero dizer é que, se você é o melhor pai do mundo graças à exploração do trabalho de “alguém”, isso não nos serve. Se você consegue ser um pai fofo porque há uma mulher estressada fazendo o trabalho invisível para manter toda a estrutura funcionando, então você, melhor pai do mundo, é mais do mesmo.
Há um tempo lembro que uma amiga comentou sobre a possibilidade de o homem ser um bom pai e um mau marido. Tenho pensado muito nisso e, quanto mais penso, mais discordo. Engraçado que “bom pai” nos remete a um pai legal (quando não à velha ideia do pai provedor), enquanto “boa mãe” nos remete a uma mãe que cuida. Mas, se pensarmos que, para que alguém seja um bom pai, tenha que cuidar tanto quanto a mãe, ou seja, dividir o trabalho invisível (que é invisível só quando realizado pelas mulheres, mas exaltado se realizado por homens) simetricamente, quantos bons pais restarão?
Não se zangue, melhor pai do mundo, lembre-se que não é pessoal. Eu sei que suas intenções são boas e que é difícil enxergar o privilégio quando é você o privilegiado. Você sempre teve espaço para crescer e desenvolver todo seu potencial de ação e foi socializado para isso. É que ninguém te avisou que cuidar de e se responsabilizar por uma criança é também sobre privação. É sobre perder posto no ambiente de trabalho para se dedicar tanto quanto um filho precisa (não deveria, mas as mulheres passam por isso todos os dias). É perder momentos de socialização com outros adultos para dar atenção à criança. É passar noites sem dormir para embalar um bebê. É não conseguir ler seu livro ou assistir à live do Caetano porque a carga mental de educar uma criança ocupa tudo por hoje. Você está disposto a abrir mão do seu privilégio? Você está pronto para uma parentalidade verdadeiramente ativa, sabendo que ela começa pela privação?
Isso é um convite, pai. Um convite e uma provocação. Caso você o aceite, eu lhe estendo a mão. E quem sabe no próximo dia dos pais eu consiga lhe dar um sincero parabéns.
Por hoje, parabenizo as mães.