Tenho pensado muito sobre essa era dos influencers, ofício que não chega a ser ofício, mas que parece ser o sonho de futuro dos adolescentes de hoje. Influencer: influenciador digital. Mas que por algum motivo me soa coerente em inglês mesmo.
A prova de que a era dos influencers chega a seu paroxismo hoje é que quem ocupa o cargo de presidente do nosso país nada tem de liderança ou de projeto. Temos um presidente que não é presidente: é um influencer. Em bom inglês. Engaja seguidores dizendo frases rasas, de efeito, discursos de ódio em sua quase totalidade, levanta bandeiras que cabem na faculdade cognitiva de multidões. E, como se não bastasse, governa pelo Twitter.
Sim, eu sei, existem influenciadores digitais incríveis e importantes, influenciadores que trazem à tona pautas necessárias e ajudam a democratizar debates complexos. Esse texto não é sobre eles, tampouco sobre influenciadores ruins. É sobre uma época em que a expressão máxima de se tornar bem sucedido é ser um influencer.
O influencer é uma atualização da celebridade, da época em que veículos de massa como cinema e televisão eram a única forma de alguém ser conhecido amplamente. Geralmente as celebridades eram pessoas de carreira, atores, cantores, jornalistas. Gente que estudava, treinava, se dedicava a um ofício. Da glamourização em torno da notoriedade, surgiu uma série de aspirantes a artistas que não se interessavam pela arte, mas pela fama.
Com o advento e popularização da internet, tanto o pensamento, a palavra, quanto a fama foram democratizados. E a internet é esse espaço onde a multiplicidade de vozes pode existir, e isso é de uma importância tremenda. Onde cada um, desde que tenha acesso a um computador ou celular conectado, pode se expressar, em um modelo de comunicação descentralizado (é claro que existem as empresas e os algoritmos que fazem com que essa descentralização não seja tão neutra, sem controle ou democrática assim). Também a fama foi descentralizada e tornada potencialmente acessível a todos. Assim surgiu o digital influencer.
E a pergunta que sempre me ocorre é: mas você quer influenciar o quê? Porque me parece que essa é a questão central e sobre a qual seus aspirantes não pensaram. Qual o propósito de ser visto e ouvido se você não tem o que dizer?
Uma sociedade cujo foco recai sobre o ato de falar e não sobre o que se tem a dizer (ou o que não se tem a dizer, na maioria das vezes), revela muito sobre si. No fundo, todo mundo quer gritar: “olhem para mim, eu existo!” É legítimo querer existir. Cruel é uma sociedade em que a vida humana por si mesma não tenha seu valor. Em que os indivíduos, carentes e desvinculados, tenham que procurar respeito e reconhecimento em fama, status ou dinheiro, para validar a própria existência.
E aí o que acaba acontecendo é que, no afã de conseguir curtidas e seguidores, as pessoas correm o risco de falar o que se quer escutar e mostrar o que vai agradar. O grande potencial da internet de comportar vozes plurais dá lugar a um uníssono vazio. Aspirantes a influencers abrem mão da própria voz para copiarem os já influencers que, por sua vez, abriram mão da própria voz para dizer como o xampu xis deixa os cabelos hidratados e macios. Ao abandonarem a própria voz, deixam de lado aquilo mesmo que buscavam: o reconhecimento da própria existência.
Que a gente se permita, por um momento, olhar para dentro. Que a gente se permita silenciar. E que lá de dentro do silêncio brotem sentidos e verdades: não a verdade, mas as nossas verdades. Que parta delas a nossa voz, a voz de cada um. E, se as tecnologias puderem ampliar e conectar essas vozes dissonantes, que assim seja. Para que a dicotomia entre influencers e seguidores ceda lugar a um mundo de interlocutores, onde o diálogo seja abundante. E a escuta também.