(Coríntios 15:33) Não vos enganeis. As más companhias corrompem os bons costumes.
Eis que, um dia, um profissional de tecnologias digitais de uma startup, renomado desenvolvedor de aplicativos que – supostamente – ajudam a vida das pessoas, percebeu haver, dentre seu círculo social, alguns indivíduos que, em sua opinião, não mereciam a benção de conviver com ele.
Sentado em sua baia de trabalho, no trigésimo terceiro andar de um prédio comercial, passou, então, a procurar um bode expiatório dentre as pessoas com quem convivia: Quem seria o pior ser humano que ele conhecia? Seria essa pessoa do seu trabalho? Da sua família? Uma maçã podre entre seus amigos?
Hábil com códigos, rapidamente, definiu os critérios do que ele considerava como proeminentes atributos humanitários e, claro – principalmente – reentrantes desvios morais. Humildade: um. Soberba: zero. Caridade: um. Avareza: zero. Bondade: um. Inveja: zero. Temperança: um. Gula: zero. Paciência: um. Ira: zero. Diligência: um. Preguiça: zero. Então, com sua sabedoria, criou um aplicativo em que bastava colocar o nome de algum conhecido no sistema e, automaticamente, lhe era atribuída uma nota através das equações de variáveis do algoritmo criado.
Assim, ele poderia definir, dentre seus conhecidos, quem seria o pior ser humano que ele conhecia e, então, se afastar definitivamente dessa pessoa, quem quer que fosse: aquele que somaria, dentre todas as piores características, o maior ranqueamento no software com notas de 10, para a pessoa mais bondosa do mundo e 0, para o que seria o pior ser humano que já pisara na Terra.
Começou, portanto, as análises do seu sistema inquisitório.
Seu colega de trabalho, que costumava sempre se atrasar para reuniões e volta e meia era pego cochilando em alguma sala vazia: nota 5,32 – ficou apático. Seu vizinho, cuja história sequer sabia, mas que diariamente o encontrava perambulando pelos corredores do prédio buscando algo para se distrair: nota 7,47 – ficou surpreso. Sua esposa, com quem havia brigado há dois dias e, desde então, não se falavam: nota 4,22 – ficou extasiado. Sua filha, por quem devotava amor incondicional, nota 3,54 – ficou abismado.
Seu chefe, de quem almejava o cargo, mas que não parecia estar disposto a se aposentar tão cedo: nota 8,01 – ficou zangado. Seu melhor amigo, com quem compartilhara os melhores e piores momentos da vida desde a infância: nota 3,08 – ficou confuso. Seu irmão, com quem não falava há 5 anos, desde uma briga por herança: 8,54 – ficou indignado e acreditou que o aplicativo só poderia estar com algum defeito e repassou todo o código. Não havia erro.
Estupefato com alguns resultados, após dezenas de testes realizados com todas as pessoas que foi capaz de lembrar, percebera que não encontrou ninguém com nota de corte abaixo de três ou acima de nove. Concluíra que, pelo menos em seu círculo social, não existia um execrável e imperioso total malfeitor, nem – também – um incorruptível e venerável total benfeitor. Eram todos, somente, humanos. Com suas dores humanas, com seus dilemas humanos, com suas dubiedades, hesitações e impasses humanos. Humanos, não máquinas binárias.
Até que, então, teve uma epifania: colocou a si mesmo no aplicativo. Nota: 0,35 – ficou decepcionado. Consigo mesmo. Por ser, dentre todas as pessoas com quem convivia, o fruto mais podre. Enrubesceu, a vergonha lhe esquentou o rosto, sentiu-se jogado na fogueira inquisitória.
Por isso, filhos, em verdade vos digo: diga-me com quem andas que, se não te identificares com teus comuns, olha-te para ti, que te direi quem és.
Por: @OCriador