Gosto muito de fotografar as ruas das cidades. Desde moleque, um dos meus maiores prazeres é andar pela cidade, saber das ruas, observar a construção histórica das ruas e das pessoas.
História essa que se compõe diariamente, que junta as pessoas que passam, as pessoas que nelas vivem e a paisagem em constante mudança.
É assim que as ruas, e no conjunto final, a cidade, se fazem compreender.
A digitalização, os celulares e suas câmeras e apps abriram o acesso para um grande número de pessoas poderem registrar em fotos as muitas histórias, pessoas e momentos de nossas cidades.
O meu encontro com essa nova tecnologia foi de muita satisfação. Tudo aquilo que antes eu que capturava nas andanças e ficava apenas na memória, pôde ser registrado e compartilhado.
Lugares de afetos, flagrantes da vida cotidiana, as conjunções de personagens, o concreto e a natureza que levam a cidade a um status mais amplo e diverso.
As redes sociais especializadas como o Instagram potencializaram essa possibilidade de registro estético, afetivo e pessoal das cidades.
Até aqui tudo bem, tudo bom, mas algumas coisas têm me incomodado muito nos últimos.
Ricardo Queiroz
Cidades: lugares de afetos, onde se podem fazer flagrantes da vida cotidiana
A primeira delas é mais pessoal e digamos que pode até ser considerada frívola, que é a quantidade de imagens óbvias e descontextualizadas produzidas por esses registros. Admito que essa é mais de caráter pessoal e pode ser evitada, usando os mecanismos que as próprias redes sociais disponibilizam.
A segunda implicância considero mais grave: o uso indiscriminado e muitas vezes desrespeitoso de imagens das pessoas que vivem nas ruas, com o argumento de denúncia social, compaixão, peso na consciência, blábláblá…
Na maioria dos casos trata-se de estetização da miséria, glamourização da tragédia social, desrespeito à privacidade, uso oportunista da imagem alheia. A facilitação dos registros fotográficos trouxe consigo uma série de problemas éticos, que nem existiriam se fosse usado um mínimo de bom senso.
Nas ruas está o reflexo mais agudo das contradições e da produção perversa do capital. Isso não significa que as pessoas que vivem na pele o substrato da luta de classes, podem ser expostas como fenômeno sociológico, exotismo ou peça de sensacionalismo. Elas devem ser respeitadas, sobretudo por sua vulnerabilidade e pela dificuldade de ter momentos de privacidade.
A sociedade de espetáculo está ávida por mais e mais conteúdo.