Visivelmente emocionado, o escritor e compositor Chico Buarque finalmente recebeu o prêmio Camões de Literatura nesta segunda-feira (24/04), no Palácio de Queluz, em Sintra. A cerimônia contou também com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que cumpriu a promessa feita ao primeiro-ministro António Costa em visita a Portugal no ano passado.
A premiação também contou com a participação da ministra da Cultura, Margareth Menezes, e do chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa.
Chico Buarque foi contemplado com o Prêmio Camões em 2019, mas a entrega só se realizou hoje, depois de quatro anos de espera. Naquele período, o ex-presidente Jair Bolsonaro, em mais um ataque ao povo brasileiro, se negou a assinar o diploma que contemplava a vitória de um dos maiores nomes da cultura do Brasil.
Com um certo embargo na voz, o compositor agradeceu à sua companheira, Carol Proner, aos demais presentes e a alguns dos amigos convidados por ele próprio. Com o olhar marejado, mas com a voz firme, fez questão de recordar que a ameaça fascista ainda persiste no Brasil e em vários lugares do mundo. “Hoje, porém, me reconforta lembrar que o ex-presidente teve a rara fineza de não sujar o diploma do meu prêmio Camões, deixando o seu espaço em branco para a assinatura do nosso presidente Lula”.
Ao recordar de seu pai, o sociólogo, historiador e também escritor Sérgio Buarque de Holanda, Chico ressaltou o seu importante contributo à democracia e à música brasileira.
Twitter/Lula – Foto de Ricardo Stuckert
Escritor e compositor Chico Buarque recebeu prêmio Camões de Literatura nesta segunda-feira (24/04)
“Meu pai também contribuiu para a minha formação política, ele que durante a ditadura do Estado Novo militou na Esquerda Democrática (futuro Partido Socialista Brasileiro). No fim dos anos sessenta, se retirou da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em solidariedade a colegas cassados pela ditadura militar. Mais para o fim da vida, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, sem chegar a ver a restauração democrática no nosso país, nem muito menos pressupor que um dia cairíamos num fosso, sob muitos aspectos, mais profundo.”
Sem esquecer de suas raízes, o grande homenageado do dia disse ainda ter orgulho de ser lembrado como compositor popular no Brasil e um “gajo que um dia pediu que lhe mandassem um cravo e um cheirinho de alecrim” um dia antes da celebração do 25 de Abril, data que marca o fim de um período de 48 anos de fascismo no poder em Portugal.
“Tenho antepassados negros e indígenas, cujos nomes os meus antepassados brancos trataram de suprimir da história familiar. Como a imensa maioria do povo brasileiro, trago nas veias sangue do açoitado e do açoitador, o que ajuda a explicar-nos um pouco”.
O presidente Lula também fez um discurso de agradecimento antes de assinar e entregar o diploma nas mãos do escritor junto ao presidente português Marcelo Rebelo. Reforçou ainda que o prêmio é uma resposta do talento contra a censura, da genialidade contra a força bruta representada pela extrema-direita. “Chico Buarque ousou muito, escreveu cruzando um abismo sobre um arame e chegou ao outro lado. Não creio enganar-me dizendo que algo novo aconteceu no Brasil com este livro”.
Escolhido por unanimidade pelos jurados de Angola, Moçambique, Portugal e Brasil, Chico Buarque de Holanda não perdeu a humildade. Sabendo da importância de sua obra para a língua portuguesa, não se esqueceu de todos aqueles que lutaram pela arte no Brasil desde o golpe contra Dilma Rousseff até o fim de um governo que demonstrou ódio e desprezo pela cultura popular brasileira.
Recebo este prêmio menos como uma honraria pessoal, e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados e ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo”, finalizou.