A 38ª edição do Festival Internacional de Jazz Plaza chegou ao seu fim no domingo (29/01). Durante uma semana, mais de 100 espetáculos, apresentados em mais de vinte palcos e praças, inundaram as cidades de Santiago de Cuba e Havana. Cidades que receberam e acolheram centenas de músicos, artistas, amantes da música ou apenas curiosos espectadores que participaram de um dos mais importantes festivais de música do país e do circuito internacional de jazz.
O slogan escolhido para acompanhar este ano o festival foi “Pa’que flujazz”. Ao longo da semana, este slogan se materializou em diferentes propostas artísticas e musicais que tingiram as palpitações de ambas cidades com o fluxo do jazz.
As cidades têm seu próprio pulso, sua própria sonoridade, sua própria musicalidade, e não há dúvida de que nas ruas e bares de Havana e Santiago a liberdade criativa e lúdica do jazz é algo que está presente. No entanto, há uma maneira de entender o gênero de uma forma particular que acolhe diferentes tradições e misturas de música popular, como é o caso da forte impressão de sincretismo na ilha. Uma forma de entender o jazz de um jeito aberto e misto, como se fosse um diálogo fluido derivado do encontro de diferentes gêneros musicais.
Rafael Lay Jr. é um dos mais importantes expoentes das novas gerações da música na ilha. Rafaelito, como lhe chamam os colegas, o mais jovem integrante da histórica Orquesta Aragón, não consegue esconder a emoção que lhe causa falar da tradição musical cubana. Sorrindo, ele lembra que no festival “temos os exemplos de Chucho Valdés, o maestro, que já percorreu o mundo inteiro com aquele jazz afro-cubano. E milhões de representantes da nossa ilha também. E é isso, é liberdade, é música e é amor também”.
“[Jazz] é sinônimo de liberdade e na música cubana há muita liberdade de expressão, escrita e interpretação. A similaridade foi conseguida de forma a compactar ambas as raízes”, afirma Rafaelito ao Brasil de Fato.
Citado pelo jovem músico, Chucho Valdés é uma das figuras mais importantes da história do festival e da música em Cuba. Em 1972, depois de se apresentar com o seu trio no Festival de Jazz Jamboree, na Polônia, ele alcançou uma relevância que o consagrou internacionalmente. A partir de então, o renomado pianista e membro fundador da mítica banda de jazz afro-cubana Irakere, juntamente com a extraordinária e inquieta cena artística do momento, abriram espaços de intercâmbio cultural e musical na ilha. Tarefa nada fácil naqueles primeiros anos do bloqueio dos Estados Unidos contra Cuba.
Apesar da pressão econômica imposta pelo bloqueio da Casa Branca contra a ilha, o Festival Internacional de Jazz Plaza conseguiu conquistar um lugar para si na cena internacional do gênero. Durante quase quatro décadas, o festival contou com a participação de grandes figuras internacionais numa verdadeira festa e celebração da música.
Na sua mais recente edição, contou com importantes participações internacionais, entre as que se destacaram o saxofonista Chad Lefkowitz-Brown dos EUA; os pianistas Florian Weber (Alemanha), Bas Van Lier (Holanda), Emmanuel Nieves (México), Julio Resende (Portugal) e Aaron Goldberg (EUA); o contrabaixista Arismar do Espírito Santo (Brasil); e o bandoneonista Chango Spasiuk (Argentina). Também participaram prestigiados instrumentalistas cubanos que vivem fora do país, como Nachito Herrera, Pedrito Martínez e Yilian Cañizares.
Gabriel Vera Lopes/Brasil de Fato
Slogan escolhido para acompanhar festival foi "Pa’que flujazz"
Uma das participações internacionais que mais chamou atenção foi a de Ted Nash. O magistral compositor americano, vencedor de dois prêmios Grammy, apresentou seu aclamado projeto Jazz x Arte no Museo Nacional de Bellas Artes.
Durante quatro dias, Nash proporcionou e coordenou uma aula de improvisação e composição para cerca de vinte jovens estudantes e professores da Escola Nacional de Arte (ENA), que foram convidados para a atividade no Museo Nacional de Bellas Artes. No final da atividade, os trabalhos compostos pelos estudantes foram apresentados no pátio do museu com a participação do próprio Ted Nash, acompanhado pela companhia de dança Malpaso, que compôs coreografias inspiradas no trabalho dos estudantes. A data da apresentação coincidiu com o 170º aniversário do nascimento do herói nacional cubano José Martí. Assim, o dia ganhou uma aura especial.
O festival também apresentou vários tributos e homenagens a figuras da música popular cubana. Com o nome “¡Ataca Chicho!”, o saxofonista German Velazco apresentou seu álbum de homenagem ao grande flautista e compositor José Luís Cortes, de quem foi colega na lendária banda Irakere.
Também a música camponesa teve seu lugar no festival. Em uma emotiva homenagem a Celina Gonzalez, uma das vozes mais emblemáticas do canto tradicional campesino cubano, Pancho Amat e Alejandro Meroño apresentaram Tierra Nueva, com a participação de dez vozes convidadas.
Na última noite do festival, um dos concertos que mais chamou a atenção foi o de Roberto Fonseca. O célebre compositor e pianista apresentou sua nova banda La Gran Diversión. Durante quase duas horas, o conjunto deleitou o público com um espetáculo que combinou a beleza de suas composições com uma extraordinária capacidade de execução e improvisação.
No final do show, Fonseca – que também é o diretor artístico do festival – destacou o enorme empenho de todos aqueles que trabalharam para tornar o festival possível em meio a uma situação particular de crise pela qual a ilha está passando. Além disso, ele declarou que o festival está trabalhando para incorporar mais músicos da África na próxima edição.
O Bloqueio
Cuba foi um dos primeiros países da América Latina a sofrer um bloqueio econômico. Em 1962, o presidente John F. Kennedy decidiu impor o embargo e suspender todas as relações econômicas e diplomáticas entre os Estados Unidos e a ilha. A medida foi uma resposta à Revolução Cubana, iniciada em 1959, que implementou um sistema socialista no país.
Quase 60 anos depois, o bloqueio gerou US$ 147,8 bilhões em prejuízos para Cuba, mas não foi capaz de derrubar o socialismo cubano. A Organização das Nações Unidas (ONU) já votou 29 vezes uma resolução que condena o embargo e exige seu levantamento imediato. No entanto, somente durante a gestão de Donald Trump foram emitidas 243 sanções unilaterais. Apesar das expectativas, a gestão de Joe Biden não reverteu nenhuma das medidas e ainda apoia protestos opositores na ilha.