O ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, afirmou nesta sexta-feira (16/08) que as bolsas de estudo e pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) podem ficar sem pagamento no mês de setembro.
O anúncio do ministro vem após a instituição de fomento declarar nesta quinta-feira (15/08) “a suspensão de indicações de bolsistas, uma vez que que recebemos indicações de que não haverá recomposição integral do orçamento de 2019”.
Para Frederico Fernandes, presidente da Associação Nacional de Pós Graduação em Letras e Linguística (Anpoll) e professor associado da Universidade Estadual de Londrina, a suspensão das bolsas é “terrível” e os ataques contra a ciência brasileira representam um risco à sociedade e à vida. “Quando a ciência é ideologizada , todos perdem, pois é o planeta, a sociedade e a vida que estão sendo colocados em risco”, afirmou.
Leia a entrevista na íntegra:
Opera Mundi: Qual é a real situação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)?
Frederico Fernandes: O CNPq passa continuamente por sucessivos cortes orçamentários e, nos últimos anos, tem tido aportes de recursos por meio de emendas para honrar seus compromissos. Nesse ano, a agência não recebeu nenhum aporte, o que levou à suspensão de implantação de bolsas de modo imediato. A agência também tem recursos até setembro para honrar o pagamento das bolsas de projetos em andamento e, depois disso, não terá da onde tirar.
Como o senhor encara as posições e declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre o tema?
O presidente não deu nenhuma sinalização de que fará a suplementação, apesar da comunidade científica brasileira e internacional estar denunciando seus cortes e desmandos na ciência (vide o caso do INPE). Além da suplementação o CNPq tem outras necessidades que dizem respeito à contratação de funcionários, pois quadros não foram repostos. Não vemos um presidente sensível à ciência e à comunidade científica. Quando a ciência é ideologizada , todos perdem, pois é o planeta, a sociedade e a vida que estão sendo colocados em risco.
Se o corte total das bolsas se concretizar, quais são as consequências ao campo acadêmico?
Serão inúmeras e terríveis, pois ocasionarão a interrupção de muitos projetos e atividades de pesquisa. É importante lembrar que bolsistas se dedicam integralmente às atividades e, com o corte, terão que buscar outra forma de sobrevivência. A longo prazo, o prejuízo acaba sendo enorme para o país que deixa de produzir conhecimento e inovação e o que reflete na piora da qualidade de vida para a população.
A agência também anunciou o cancelamento de novos contratos, como fica essa situação aos que estavam esperando conseguir a ajuda?
Todos os Institutos de Ensino Superior acabaram de fazer suas seleções para o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) e muitos alunos aguardavam a bolsa para dar início às suas atividades nos projetos. Agora, não terão mais bolsa. Imagina a frustração!
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, e João Luiz Filgueiras de Azevedo, novo presidente do CNPq
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) está organizando um baixo-assinado contra os cortes. Como está esse projeto?
A SBPC possui várias sociedades científicas filiadas. A Anpoll, da área de Linguística e Literatura, da qual faço parte, é uma delas. No meio do ano, a SBPC criou a Iniciativa Parlamentar para Ciência no Congresso, uma forma de aproximar a comunidade científica dos parlamentares e criar resistência aos cortes e ataques que a ciência vem sofrendo desde a ascensão de Bolsonaro. Recentemente ela lançou uma carta de defesa do CNPq, que foi assinada por várias associações e sociedades científicas. Mas o discurso da defesa da ciência não pode ficar apenas no nível institucional, deve ser uma bandeira de toda a sociedade. Enquanto o cidadão não entender que tanto a vacina contra o Zika como o combate à vulnerabilidade social por meio do letramento, são iniciativas produzidas pela ciência, ela não conseguirá entender o que representa a situação alarmante vivida no CNPq. A ciência precisa de uma campanha de amplo esclarecimento, na qual toda a sociedade sinta, de fato, sua importância.
E como está o trabalho da Anpoll na resistência aos cortes orçamentários?
A Anpoll está fazendo um trabalho de esclarecimento junto à sua própria comunidade científica. Em junho, tivemos um encontro que tiramos cinco diretrizes para uma política de linguagem no Brasil, além da carta Maringá, um documento sobre a pós-graduação. O CNPq também foi debatido com representantes do órgão e membros do Comitê de Assessoramento. Nós estamos, no caso do CNPq, conversando com parlamentares e vendo formas de pressionar o Executivo a liberar o orçamento. É claro que o envolvimento de toda a comunidade científica é imprescindível nesse momento e estamos nos colocando à disposição da SBPC para ações conjuntas e articuladas.